Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
A REFORMA
Já falei em crônica que adoro mudança de casa, mas esqueci de contar que também adoro reforma.
Para mim, a reforma de um imóvel é um grande evento na vida. Aumentar a sala, fazer mais um banheiro, criar um jardim... transformar o que parecia tão sólido, imutável. São tantas decisões em tão curto espaço de tempo que uma geminiana não tem tempo sequer de ser geminiana. Não é possível ser indecisa com pessoas lhe cobrando o tipo de piso, a cor da parede e até mesmo se vai ter ou não parede.
Ando pela obra com o projeto na mão e fazendo pose de entendida. Mas minha ignorância é evidente. Faço muitas perguntas, quero aprender, mas ninguém tem muita paciência para tanta pergunta tola. Pedreiros, ajudantes e todos aqueles homens que sabem erguer uma casa me olham assustados, sem entender o que faz aquela intrusa naquele lugar e rezando para que eu vá embora logo e eles possam trabalhar em paz.
Todos os dias faço cotações e compras de coisas que jamais compraria ou talvez, nem saberia que existiam se alguém não me desse por escrito a especificação, explicando sem muita vontade para que serve.
Acabei de comprar um martelete de 10 kgs. Só de pensar que vou ter um martelete e ser capaz de demolir qualquer coisa, já fico emocionada. É tão diferente do meu dia a dia, tão distante do meu universo feito de letrinhas e mais letrinhas, que algo bruto como pôr uma parede no chão, me parece completamente mágico.
Penso que deveria ter estudado arquitetura ou engenharia, mas, à medida que a obra vai andando e centenas de problemas vão aparecendo, penso melhor e concluo que, talvez não. De vez em quando é até bom, mas todo o tempo acabaria me matando, matando marido e filhos que dão palpite, matando pedreiros, pintores e todos que ousam fazer um centímetro pra lá ou pra cá diferente da forma que imaginei.
Por isso que gosto tanto de letrinhas e personagens. Todos me obedecem cegamente e, mesmo que a história se passe na Roma antiga ou em Madagásgar, que eu crie cenários em um hospital ou em uma usina atômica, mesmo assim, meus personagens não me olham desiludidos e nem suspeitam que eu não entendo nada. E o melhor: se a cerâmica que parecia tão bonita na loja, ficar horrível no meu chão, se um cano de água estourar ou até se alguma parede ruir de repente, posso simplesmente deletar a frase e reformar o texto. Eu falei que gostava de reforma!
SP 14/09/22