Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
BURACOS
As pessoas têm buracos. Grandes, pequenos, redondos, ovais, alguns até quadrados. As pessoas têm buracos. E tentam preenchê-los à força, na marra, de qualquer maneira.
Em alguns buracos cabem um carro, brilhante, de marca, mas mesmo com um largo pneu e muitos acessórios não tapam o buraco. Muitas notas de cores diversas e fotos de homens famosos, bem enroladas, podem esconder frestas, mas, ao primeiro chacoalhar, caiem teimosas, mostrando o vão vazio.
Buracos fechados com comidas são buracos sem fim, gordurosos, quentes, pastosos como um cimento frágil que não consegue se prender ao buraco. Na vã tentativa de fechar o buraco, empurra-se doces, salgados, agridoces, azedos e amargos.
Minha pessoa loura predileta não tem buracos, tem uma peneira. E peneira, minha mãe já ensinou, não tapa o Sol, por mais que ela se esforce. Roupas, relógios, óculos, bolsas, joias e tantos outros balangandãs não chegam nem perto de cobrir a peneira que pede mais e mais, e deixa tudo escoar teimosa por seus infinitos buraquinhos.
Há buracos, como os dos meus vizinhos, que fazem barulho. São reformas e mais reformas infinitas. Pintam paredes, trocam azulejos, enterram jardins, desenterram. Não basta a casa ser nova, ser a terceira ou décima da vida. Nunca está bom, o que parece óbvio. Desde quando buracos são bons?
Meus buracos, tento tapá-los com letras. Letras dramáticas, poéticas, românticas e algumas até nonsense. São letras de todos os tamanhos que se repetem ordenadas e desordenadas. Mas letras têm seus próprios buracos e não cobrem nada. Mais mostram do que escondem.
Buracos são traiçoeiros. À primeira vista, pode-se pensar que qualquer tesouro preenche, mas não é bem assim. Brilhos enganam, cegam o olhar e tornam a queda inesperada. Falsos afetos se acomodam ao buraco, vendem harmonia, mas, à primeira chance, escancaram o buraco de tal forma que sangra, precisa de curativo, intervenções, UTI, e, em casos mais graves, nunca mais cicatrizam.
Buracos negros, buracos-soturnos, covas, cavidades...cavernas sem luz. Vida que segue!
Miriam Bevilacqua
21/06/2020