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        MAIS DO MESMO

 

          Mesmice. Tem algo de muito aborrecido na mesmice. O novo é o refresco da vida, é o que renova as nossas forças, é o que nos permite sonhar. Mas onde foi parar o novo em meio à pandemia?

         Se escondeu. Nem com radar, cachorros farejadores ou modernos drones, consigo encontrar o novo. Dia após dia, sigo a mesma rotina como se fosse um monge tibetano. Não é nem mais casa, trabalho, trabalho, casa. É trabalho em casa. E só.

         Já não gosto de mesmice comum, mas mesmice da mesmice, ninguém merece.

          Arrumei armários, trabalhei, pintei paredes, trabalhei, digitalizei fotos antigas, trabalhei, costurei tecidos, escrevi, escrevi e nem assim. Sinto falta, literalmente, de sair pro mundo. Ver gente, descobrir lugares e me encantar com o desconhecido.

          Um dia estive no Marrocos, andei de camelo, visitei pirâmides no Egito, tomei chuva em Paris, mas também passei tardes aqui mesmo em minha cidade, falando sobre o tudo e sobre o nada, escutando originais, comendo inusitados, e descobrindo que não preciso ir tão longe para encontrar o novo.

         Perto ou longe, não vou a lugar nenhum, não vejo quase ninguém porque descobri que faço parte de uma turma diferente. Não gosto muito dessa turma, mas não tive escolha. Me colocaram lá como o professor que coloca um aluno para fazer trabalho junto com um grupo que ele não deseja. Até o nome da turma é infeliz. Meu grupo é aquele que o vírus gosta de fazer estrago e para não correr risco, melhor se esconder em casa.

           Ainda bem que existem os livros. Somente as histórias me permitem sair um pouco do meu quadrado tão pisado e repisado. Já li de tudo nesses meses. De realismo fantástico a verdadeiros representantes chorosos do romantismo do século XIX. Agradeço todos os dias por ter tantos livros ainda não lidos e que a minha sede por histórias jamais seja saciada. As letras são a minha boia nessa calmaria insuportável e busco ordená-las de forma nova a cada instante. É o que me permite não ficar muito brava por não poder descer para o play para brincar com a turma, mesmo que seja essa turma meio arriscada.

 

                                    São Paulo, 10/11/2020

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