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ÁGUAS PASSADAS

              Águas passadas.

          Sempre que escuto essa expressão, tenho um estranhamento porque normalmente quem a diz ainda está nadando para sair do rio, mas finge que chegou à margem. Se as águas passaram, elas não deveriam mais ocupar a mente e machucar o coração, mas não é isso o que acontece na maioria das vezes.

            Uma pessoa querida gasta horas e horas em um almoço, falando de seu antigo amor, de tudo que ele fez ou deixou de fazer, da tristeza enorme que ela sentiu e depois de dizer, dizer, repetir, desdizer, quando está completamente vazia de palavras, arremata dizendo que devemos mudar de assunto porque são águas passadas.

           Eu olho desconcertada e também finjo que são passadas, mas elas são tão presentes que quase me levam junto correnteza abaixo. Já estava me afogando em tanta mágoa.

           Cresci ouvindo que águas passadas não movem moinhos e não movem mesmo. O problema é que o moinho não gira e as tais águas não vão embora, ficam estacionadas, apodrecendo, sem nenhum ventinho que as leve para longe.

          Sei da dor infinita de deixar as águas irem embora por mais que elas cheirem mal, estejam tão poluídas que não nos deixem respirar, são feias de ver, e impossíveis de se tocar. Não são nem mais água. São enormes poças de lodo, brigando para ir adormecer no fundo do rio, mas a gente, inexplicavelmente, não permite.

          Entretanto, um dia, qualquer água acha seu caminho. Passa até no meio da rocha para seguir seu curso. Por isso, também conheço a alegria, quando o tempo fez bem o seu serviço, e as águas realmente passam e, por mais que a gente se esforce, não consegue sequer enxergá-las ao longe.

          A lagarta vai embora. A borboleta voa. E a água vira história.

 

SP 20/02/24

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