
Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
CRÔNICA DA SEMANA
O DOMADOR DE LEÕES

Ele só queria ir para a África e domar os leões. Esse era o sonho do jovem de 19 anos que foi morto por uma leoa no zoológico de João Pessoa. Ele escalou uma árvore e entrou na jaula do animal na esperança de concretizar o seu sonho. Era só isso.
Gerson Machado era esquizofrênico, filho de uma mãe também com transtornos mentais. Encontrado em uma rodovia quando tinha apenas 10 anos. Abandonado. Há anos vagava pelas ruas e não tinha tratamento adequado para sua doença. Uma história de sofrimento.
Certa vez, Gerson foi pego no aeroporto tentando pegar um avião para ir para a África. Queria fazer um safári. Sua paixão pelos animais era conhecida por todos.
Já tinha sido preso várias vezes. Tinha por hábito jogar pedra nas viaturas de polícia para poder ser preso e ter onde dormir e o quê comer. O diretor do presídio era considerado por ele como seu amigo. A prisão era um lugar mais seguro do que as ruas, ele costumava dizer que na prisão ninguém lhe fazia mal.
Sim. Ele tinha medo das pessoas. Se qualquer doente mental já passa por situações incrivelmente difíceis, imagine então um morador de rua. Creio que para mim e para tanta gente normal, é inimaginável.
Invisível para a sociedade e para o sistema público, Gerson era uma tragédia anunciada. Ficou famoso porque morreu nas garras de uma leoa, mas poderia ter morrido vítima de agressores, do trânsito, da fome, do frio. E sua morte também teria sido invisível.
Tinha laudos conflitantes. Alguns psiquiatras diziam que ele devia ser internado para poder receber o tratamento de forma continuada. Outros terapeutas afirmavam que eram apenas problemas comportamentais. Ora, alguém que não sabe discernir o certo e o errado, e invade a jaula de uma leoa, não tem apenas problemas comportamentais. Agora já sabemos quem errou e quem acertou. Pena que seja tarde demais.
Nosso sistema de saúde e a justiça precisam ser mais ágeis para proteger incapazes. Na dúvida, médicos e especialistas devem internar e acompanhar os resultados e, se for o caso, se não houver risco a si próprio, dar alta depois.
Esperemos que seja o último Gerson sem saúde, sem dinheiro, sem nada, a tentar domar a vida!
SP 02/12/2025