
Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
CRÔNICA DA SEMANA
GIRATA

Sumi. Desapareci.
Embarquei na grande nuvem aerada e cruzei os mares. Sem vozes.
Posso, enfim, ouvir meu sorriso, há tanto tempo calado.
Sinto a alma aquecendo a mais de cem graus.
Criança pequena rasgando papel de presente.
Quando despenco da nuvem, São Jorge me aguarda.
Ele me guia. Sonho concreto de arabescos e chapéus de fada tocando os olhos, que se arregalam pequenos.
Inesperado, o branco cai do céu e mostra o caminho incerto e, por isso, belo.
Minhas mãos descobrindo o novo, o antigo, o eterno. Na reminiscência dos impérios.
Os dedos sentindo o calo dos blocos de pedra, ouvindo as correntes, o choro das mães.
Voar entre montanhas, ao amanhecer, é o prêmio de uma vida. Que pena que tão poucos são premiados com este presente!
Atravesso quilômetros para ver águas azuis que se evaporam sem aviso. É triste, quase divino em seu final, uma morte em branco e seco.
Mas muitos autofalantes de oração lembram que há mais do que o chão.
Tapetes de tulipa se estendendo em arco-íris, saudando a vida.
Haréns abandonados, recordando o amor que se foi para longe e para perto.
Reis que se tornam homens.
Tudo com gosto de romã.
Não mudei como Orlando, mas como mudei!
É também para isso que vivo. Para viver o não vivido.
Para voltar outra.
SP 29/04/2025