
Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
DESFAZER

Desfazer. Não gosto da palavra em nenhum de seus significados.
Se fez, por que desfazer? Desistiu? Se arrependeu? Devia ter pensado mais antes de fazer.
E se vai se desfazer de roupas, livros, lembranças, o que sobra de você?
Desfazer é destruir, anular. Não quero nada disso. É tão difícil fazer.
Sou tão apegada a tudo. Não entendo o desapego.
Talvez a errada seja eu. E a bagagem mais leve seja uma coisa boa, como também a coragem de enxergar que errou, se equivocou, se enganou e passar uma borracha em tudo e começar do zero.
Mas essa não sou eu. Não sei começar nada do zero. Já vim ao mundo com muitos números e uma infinidade de letras esperando que eu dê a elas algum sentido. Nunca fui zero e não sei nem de longe voltar a zero. Não tenho a menor ideia de onde fica o zero em minha alma.
Vejo gente recomeçando, abandonando o que um dia foi tão importante, sem qualquer angústia do que ficou pra trás. Implodindo enormes edifícios de vida. Esquecendo nomes, rostos e histórias.
Uma fumaça que se esvai
Não conseguiria jamais. Ao invés de desfazer, prefiro refazer, partir do que ainda resta e fazer diferente, mas não toleraria a ideia de perder a cicatriz de um amor não correspondido ou o gosto amargo de uma derrota disputada corpo a corpo, ou ainda a dor de um sonho desfeito. São as marcas boas e ruins que permitem ser o que eu sou.
Não me arrependo de nada do que fiz, só do que não fiz.
SP 18/06/2024