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COM O PÉ NO INFERNO

          Adoro Natal!  Detesto ter de comprar presentes no atacado!

         Já não gosto muito de shopping center, mas no Natal, aquilo parece a sala de espera do inferno. Não! Não é o inferno! O ar condicionado é forte, a recepcionista é bonita e, com sorte, é possível até arrumar um lugarzinho para tomar um café. Viu? É sala de espera. Beberico o café, enquanto tomo coragem para entrar no verdadeiro inferno, ou melhor, dizendo, nas lojas.

        Sou organizada. Fiz até uma listinha com o nome de todos para quem preciso comprar presentes. Mas preciso ser honesta. É uma lista inútil. Não tenho qualquer ideia do que dar para cada um daqueles nomes. Além do quê, são os mesmos nomes de sempre, e eu não tenho mais qualquer criatividade para encontrar um presente diferente dos últimos vinte natais.

        Eu gostaria que as pessoas fossem obrigadas a ter hobbies. Não há nada mais fácil do que dar um presente para quem tem hobby. Pode ser esporte, música, brinquedo de montar... A pessoa fica contente com qualquer presente que alimente seu hobby, aquele buraco com enorme apetite e que jamais fica satisfeito.

       Um colecionador de qualquer coisa também fica tão feliz quando você chega com um presente para sua coleção. Basta ser só um pouquinho diferente. Ele põe ali, ao lado das duzentas e trinca e cinco peças, praticamente idênticas, e ainda sorri satisfeito.

       Lembro que um estudioso também é alguém fácil de presentear. Seu objeto de estudo é o seu amor. E qualquer lembrança que o seu amor aprove, pronto, tudo resolvido.

      Mas o que dar para quem não tem nenhum hobby, não coleciona nada, não tem sequer um amor? Roupa, sapato, bolsa, carteira, cinto, pijama, chinelo... E caímos na mesmice!! Vou ter de acrescentar um embrulho de afeto.

       Peço mais um café, enquanto espero a coragem vencer a preguiça. Nem sei por onde começar, mas sei, com certeza, que o diabo me espera sorridente em algum de seus domínios, principalmente, aqueles com filas enormes. Fila para escolher, para pagar, para embrulhar...

         Como o tempo urge e o inferno também fecha as portas, não dá para adiar mais. Resoluta, vou de encontro ao fogo. Aos poucos, as sacolas vão ganhando meus braços que ficam cada vez mais pesados. O diabo sorri. Arregimentou mais uma serva.

        Depois de horas, olho a lista. Todos os nomes foram contemplados. E eu sinto um prazer tolo de dever cumprido. Só esqueci de mim mesma (como sempre!) e do aniversariante. Mas, com certeza, o inferno seria o último lugar que Ele gostaria que eu comprasse o seu presente.

        Enquanto ganho as ruas, com os braços carregados, olho para cima e peço desculpas aos céus! Sou uma pecadora!

SP 20/12/22

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