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GUARDIÕES SILENCIOSOS

          Dia 12 de março é um dia especial para mim. Tenho um carinho enorme por bibliotecários. Exato. Hoje não estou falando dos meus templos sagrados, mas de quem toma conta tão bem dos tais templos.

         Trabalhando em educação por 40 anos, onde há sempre muitas bibliotecas, fico saudosa de alguns desses seres que alegraram o meu caminho mostrando um livro raro, contando de uma compra tão interessante de volumes, indicando uma leitura enriquecedora. Além, claro, dos bibliotecários da minha infância e adolescência que me ensinaram o caminho.

         São seres silenciosos que entendem a importância do templo. Mantém o silêncio porque o barulho de cada página já é o suficiente para derrubar uma montanha. Conhecem o estrondo que acontece dentro da alma quando se entende Machado, quando Zola germina ou quando, finalmente, se vê a luz do farol que Virginia acende.

          Competentes, administram, de A à Z, milhões de letras grandes ou miúdas que querem se impor, ganhar o melhor local na prateleira, pular para as mãos de leitores indecisos. Vejo-os catalogando, arrumando, indicando, e me surpreende a calma e a paz com que o fazem. Como se o tempo estivesse sob suas ordens.

         Qual o tempo dos livros? Os bibliotecários entendem. É um outro tempo. Platão nos empurra para fora da caverna há mais de dois mil anos, Shakespeare nos alerta para a traição há séculos, Guimarães nos encoraja a atravessar o rio há décadas. Livros só são imortais porque sempre existiram esses guardiões comprometidos com o amanhã da humanidade.

          Desde a infância, quando coloquei pela primeira vez os pés em uma biblioteca, meu deslumbramento infantil jamais me abandonou. Durante anos, invejei aqueles que tinham o poder de me dizer qual livro eu poderia pegar, qual poderia levar para casa e fingir por uma semana que ele era só meu. Os guardiões sempre tiveram paciência comigo, satisfazendo a minha infinita curiosidade, direcionando meus olhos para o que de verdade importa.

           Com a maturidade, a inveja diminuiu, mas tenho de reconhecer que não se acabou de toda. Hoje se mescla com uma enorme admiração, gratidão, carinho e a certeza de que, daqui a milhares de anos, seja qual for a plataforma, papel ou ainda aquilo que nem foi inventado, eles ainda estarão guardando todas as letras do mundo.

SP 14/03/2023

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