
Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
FICCIONISTA

- Sou uma ficcionista! declaro, orgulhosa.
Meus amigos riem e dizem que é um nome chique para mentirosa.
Como assim, mentirosa? Desde quando ficção e mentira são a mesma coisa? “Desde sempre”, eles me respondem rindo. Sei que é só brincadeira, também dou risada e noite que segue.
Entretanto, no dia seguinte, acordo com a ideia na cabeça. Será que sou uma mentirosa? Minhas histórias são inventadas, claro, mas a diferença é que não é vida real. A vida das histórias criadas, escritas, divulgadas é uma vida à parte. Não engano ninguém. Não digo que é verdadeira. Será que as pessoas acreditam?
Passo o dia, mastigando a tal ideia. Mastigo, mastigo e não engulo.
Penso que o problema é escrever em primeira pessoa. Vou eliminar a primeira pessoa. Nunca mais direi “eu... alguma coisa”. Será sempre ele ou ela. Terceira pessoa. Mas, e se as pessoas acreditarem que ele ou ela realmente existe?
Talvez o problema não seja a pessoa, mas o gênero. Crônicas são sempre um misto entre realidade e ficção. O cronista nunca conta onde termina a realidade e começa a ficção. E é essa justamente a graça da crônica. Entretanto, se estou induzindo alguém a acreditar na ficção, tenho de abolir o gênero crônica.
De hoje em diante, só vou escrever contos e romances. E mais, ainda vou deixar muito claro no prefácio que trata-se de uma obra de ficção para que o leitor desavisado não acredite em nenhuma palavra sequer. Mas, e se o efeito for justamente o contrário? Se ele achar que estou mentindo no prefácio para lhe enganar e que o romance é uma história verídica?
Muito difícil ser ficcionista!! Quanto mais penso e escrevo, mais me enrolo. E se você chegou até aqui deve estar pensando se estou preocupada mesmo ou se é tudo uma grande mentira.
Caro leitor ingênuo, nunca acredite em uma única palavra de um cronista. Somos todos mentirosos contumazes ou... talvez não.
SP 07/10/2024