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DEUS

          Hoje conversei com Deus.

        Não. Não sou religiosa. Religiões são feitas por homens e homens mentem. Só tenho fé Nele.

         Hoje conversei com Deus. Fazia tempo. Acho que Ele tinha tempo. É domingo, dia do descanso. Ele me ouviu interessado, ou, pelo menos, parecia interessado.

       Expus, expliquei, detalhei e perguntei. Ele me ouviu, calado. Podia ver a incompreensão se desenhando em seu rosto, como se a fé não precisasse de resposta. Mas eu preciso. Disse a Ele. Até pedi desculpa, mas sou falha, creio em São Tomé.

        Se havia um propósito e depois de tantas décadas eu nada entendi, algo estava muito errado. Não. Não queria aborrecê-Lo, nem reclamar, nem nada. Só entender.

          Ele me olhou, ainda calado e agora triste. Até pensei que ia embora para nunca mais voltar. Tive culpa. Sempre sinto culpa.

         Como criança, preciso de nota boa para o meu trabalho. Se não há nota, como saber se o trabalho é bom, regular, fraco? Nunca convivi bem com notas baixas. Quero melhorar, mas preciso saber por onde, ou se o trabalho está perto do fim. Pode até rasgar tudo e me mandar começar de novo. Não ligo. De livre espontânea vontade, abro mão do livre arbítrio. Só quero direção.

           Direção ou confirmação? Ele me pergunta.

       Reflito antes de responder. Não posso errar. Não se toma o tempo de Deus à toa. Mentir, então, nem pensar. Ele me conhece há muito tempo. Enquanto decido, o filme começa. Mas não era para assistir ao tal filme, apenas na hora derradeira? Será que ela chegou? Será que O ofendi a tal ponto?

          Não. Não chegou a hora. Às vezes, existem sessões extraordinárias, sem pipoca. E quando a sessão termina, olho em volta e Ele já se foi. Mesmo aos domingos, as dores do mundo não cessam.

         Ainda sem final, incompleto, ouso achar que é um filme razoável. Meio errático, um pouco falho. Roteiro repleto de lugar-comum. Penso em editar, fazer alguns cortes, introduzir novas falas, cenários novos. Preparar melhor o final. Não vai concorrer a nenhum Oscar. Está longe de ser uma obra-prima, mas só por poder assistir assim, sem vergonha, na sessão da tarde de um domingo vazio, minha alma se sente alentada.

SP 07/04/2024

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