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VAGA DE IDOSO

          Estacionamento lotado. Quero desistir e me xingo por ter escolhido um dia tão cheio para fazer compra. Mas, de repente, não mais que de repente, um lugar vago bem em frente à entrada da loja. Olho no chão e lá está a palavra mágica que tem um lugar certo no meu coração: IDOSO.

          Entro na vaga, triunfante, sorrio e coloco meu cartão no para-brisa. Sorrio também ao me lembrar de uma amiga, dois anos mais velha do que eu, que tem vergonha do tal cartão e o esconde, enquanto eu simplesmente o adoro.

          Quando estava grávida ou tinha filhos pequenos, literalmente no século passado, não havia nenhuma lei que me desse esse pequeno conforto. Lembro-me de um dia, que começou a chover forte do nada, e eu com uma criança de dois anos e outra de colo, estacionando praticamente dentro de uma poça d’água, na única vaga existente, enquanto não sabia bem como abria o carrinho, pegava a sacola da nenê, segurava a mão do mais velho e ainda levava a caçula que dormia inocente. Um desastre! Nesse dia perdi a bolsa e é bem fácil imaginar em qual momento isso se deu.

          Hoje, acho ótimo ter alguma vantagem em ser mais velha. Meu joelho, que já perdeu um monte de cartilagem, adora não ter que andar muito em certos dias, enquanto em outros, nem parece um joelho idoso quando faz muitos quilômetros na esteira da academia. Mais uma das esquisitices da idade.

          Se eu tenho orgulho das minhas rugas?? Claro que não!! Isso é conversa mole de gente que gosta de se enganar! Afinal, quem acha bonito se parecer com um vaso craquelê??? Preferiria não ter ruga alguma, mas a chefe natureza não concorda comigo e a lei da gravidade existe, eu gostando ou não. Assim, aceito que dói menos.

          Entretanto, a idade, além da vaga de estacionamento, me deu algumas coisas muito importantes. Gosto de olhar pra trás e ver como o meu caminho foi interessante. Quanta gente fantástica eu conheci, quanta coisa eu fiz, o quanto aprendi. Não tenho arrependimento de nada do que fiz, só do que não fiz. E, se tivesse a chance de começar de novo, diria não a pouquíssimas coisas. Pularia de paraquedas, tomaria mais chuvas, experimentaria todas as comidas estranhas, me entregaria a mais paixões.            A vida é muito curta, mesmo eu tendo certeza de que vou viver até os 115.

        E, já que pretendo viver bastante, aguardo ansiosa para disputar com você a próxima vaga de idoso!

SP 06 e 07/06/2023

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