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UM QUARTO

        Leio em algum lugar que, atualmente, no Brasil, um quarto das crianças passa fome. Leio de novo. Deve haver algum engano. Um quarto, 25%...não é possível. Sim. É possível! Não há qualquer engano. Fico imaginando quatro crianças em fila, três estão comendo e uma apenas olhando, enquanto a barriga dói de fome e os olhinhos devoram a comida alheia.

          Não sei o que sinto. As palavras, sempre tão camaradas comigo, me abandonam. Elas também não querem olhar. Não as culpo. É doído demais.

          Penso em crianças tomando sorvete, se sujando todas de chocolate, no pão quentinho frito com manteiga que elas devoram alegremente.  E, de repente, penso nela, nessa criança que faz parte dos 25%, das estatísticas, mas que também tem nome, que também chora, e que não consegue força sequer para levantar do chão de terra batida do barraco em que mora ou do cimento, embaixo do viaduto.

       A merenda na escola era sua única refeição no dia, mas com a inflação e sem qualquer reajuste que foi vetado pelo presidente, a merenda virou quatro biscoitos mirrados e um copo de suco aguado. Para onde foi o dinheiro do reajuste da merenda? Eu e você sabemos. Só quem não sabe é o nosso amiguinho que abandonou a escola. Como andar com fome até a escola? Como aprender o que a professora ensina, se o estômago ronca tão alto?

          Estudos falam de futuro. Que futuro poderá ter na adolescência, se chegar até a adolescência, uma criança que não comeu, não estudou, não teve o desenvolvimento necessário, físico e cognitivo, para se tornar alguém? Entretanto, ela é alguém, mas ninguém enxerga. Que país é esse que assassina o futuro sem dor na consciência e na alma?

         Um pet com roupinha de inverno e "strass" na cabeça passa ao seu lado. Pedrinho e Aninha olham mudos aquele animal tão bem cuidado, limpinho e olham para si próprios. Não tomam banho, não têm roupas limpas, não comem. Mais tarde, enquanto reviram o lixão, em busca de migalhas, perguntam a Deus, por que também não podiam ter nascido como animal?

        Encerro a crônica. A história é curta. Todos nós, mesmo que finjamos não ver e saber, conhecemos o final.

SP 20/09/22

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