Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
CHATA
Você já reparou como gente que se priva espontaneamente de um tipo de alimento é chata?
“Não como nenhum tipo de carne." Chata!!
“Não como nenhum tipo de açúcar.” Chata!!
Antes que você comece a brigar comigo, preste atenção à palavra “espontaneamente” da primeira frase. Não estou falando de quem não pode comer ou beber algo por recomendação médica. Estou falando de gente que se impõe privação, mesmo gostando de determinado alimento.
Fui a uma festa de criança. O que me chamou atenção foi um menininho de seus cinco anos que, vire e mexe, rondava a mesa de doces e, quando imaginava que ninguém estava olhando, roubava um brigadeiro. Pensei, em princípio, que era porque o parabéns ainda não tinha sido cantado, mas foi só ouvir a chata de sua mãe garantindo que seu filho nunca tinha comido doce para eu entender a história toda. Além de não comer, ainda impõe a proibição a seu filho, outra pessoa, por mais que ela acredite que o garoto seja propriedade dela. O pequeno tem de comer escondido, enquanto a mãe se vangloria de sei lá o quê. Duplamente chata!!!
Quando escuto a desculpa de que doce faz mal aos dentes, lembro de que na minha casa comíamos doce todos os dias e que meu irmão mais velho foi ter a primeira cárie aos dezessete anos e eu, até hoje, nunca tratei um canal. Não ocorre a essas mães que escovar os dentes quatro vezes ao dia seja muito mais importante do que impedir criança de comer doce. Claro que é muito mais difícil educar para a higiene dos dentes e é muito fácil simplesmente proibir.
Hoje em dia, muito se fala de que a preparação do alimento é um ato de amor para com outra pessoa. Entretanto, eu lembro de que comer o que se gosta é um ato de amor para consigo próprio. Tomar um sorvete, no final da tarde de um dia difícil, sempre foi um gesto de carinho para comigo mesma e que sempre me fez bem. Não estou falando de se empanturrar, mas qual mal faz apenas um, ao longo do dia?
A saúde física é importante? Claro que sim! Mas a saúde mental é tão ou mais importante. Educar a si próprio e aos filhos para o equilíbrio na alimentação com pequenos prazeres é talvez um dos legados mais importantes de que um pai ou mãe pode deixar.
Gente que se priva, normalmente, é mal-humorada e, frequentemente, não é uma boa companhia para um jantar, ou ainda faz com que o anfitrião tenha de fazer um prato especial. Entretanto, o politicamente correto nos impede de falar: Chata!!
Sei que há exceções. O que seria da humanidade sem exceções? Mas será que há mesmo tantas exceções?
SP 26/09/23