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O ARTISTA

          Disseram que ele era artista...e ele acreditou.

         Começou com lápis de cera e um caderno de desenho pequeno que sua mãe lhe comprou. Mas o caderno era realmente muito pequeno e do caderno para a parede do quarto foi apenas um pulo de poucos dias.

          Quando a mãe viu a “obra de arte” na parede quase teve um infarto, mas era uma mulher moderna e já tinha lido que as crianças precisavam se expressar. Animada com o fato de que o pequeno talvez fosse um Picasso em formação, gastou uma fortuna em um cavalete, tela e tintas, mas o fez prometer que os quadros deveriam ser pintados no quintal.

          Os primeiros até foram. Mas o breu da noite chega rápido e a luz do quarto ainda permanece por um bom tempo. O carpete branco ganhou manchas azuis, vermelhas, laranjas, grandes, pequenas, e talvez algum dia pudesse ser recortado e exposto em uma galeria. Valeria uma fortuna, pensou a mãe.

          A infância foi embora, chegou a adolescência e as telas ficaram monótonas. Espalhadas pelo chão e encostadas nas paredes, a grande maioria precisava ser terminada, mas como intervir no processo criativo? Às vezes, faltava a inspiração para concluir a obra, em outra, estava tudo errado, não era aquilo que o jovem artista queria dizer, e em tantas outras, a mãe não tinha a menor ideia porque não eram terminadas e nem sequer se deu ao trabalho de perguntar. Não entendia mesmo as respostas.

          O jovem adulto foi para a faculdade de artes e parecia mesmo que o caminho já havia sido traçado há muito tempo. Na faculdade, outros amigos artistas, a namorada artista e o banheiro do quarto recebeu baldes de gesso, muita argila e até um fogareiro que a mãe não compreendia bem a utilidade. Às tintas do carpete, juntou-se tantos materiais estranhos que nem era bom saber do que se tratavam. Talvez um dia ainda colocassem fogo na casa, mas como impedir a veia criativa do filho?

          A faculdade acabou e o filho queria um carro, dinheiro para sair com a namorada, roupas e a mãe lhe sugeriu um emprego. Ora, artistas não têm empregos! Então, que terminasse as telas, as esculturas, as instalações enormes que tinham peças pela casa toda. Depois de concluídas, poderiam ser vendidas e sua carreira como artista se firmaria aos poucos. O artista pensou, pensou e teve preguiça.

         Hoje, quase vinte anos depois, o artista tem uma empresa de pinturas de parede. Sem qualquer arte, apenas a boa e velha pintura de parede. Quando perguntado se não queria ser artista, não se lembra. Talvez tivesse sido tudo só uma invenção maluca da cabeça de sua mãe.

            

SP 05/08/2025

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