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BAÚ DE PACIÊNCIA

          As pessoas acham que sou impaciente. Que quero tudo pra ontem. Pode ser. Mas apenas para as pequenas coisas, para as grandes, tenho o meu baú de paciência que eu ganhei de.... ora, não vou falar de quem eu ganhei. Cronista sempre conta demais e depois se arrepende.

      Em minha defesa, quero dizer que se eu fosse impaciente, não trabalharia a vida toda com educação e literatura. Quer algo mais demorado do que ensinar e aprender? Quer coisa mais vagarosa do que escrever sobre algo que não existe e que precisa ter pernas, cor e coração? O tempo que isso leva?

      Tem uns escritos que ainda estão malformados, mas já se acham tão bonitos que acreditam que podem sair por aí, assim que a última letra é digitada. Preciso algemá-los na tela. Trazer o espelho pra perto. Mostrar o nariz grande demais. Os olhos sem brilho e a pele amarelada, cor de icterícia, para eles se convencerem. Nesses dias, só com um baú enorme.

E depois, ainda tem o tempo do repouso. Drummond dizia que todo texto precisava repousar dentro de uma gaveta, sozinho, por um bom tempo. Concordo! Já viu alguma mãe olhar para o seu recém-nascido cara de joelho e não dizer que ele é lindo? A criação embota a visão e se bobear, embota até a inteligência. Se a gente não tiver muita paciência acaba pondo no mundo um monstrengo.

      Deixo o baú ao meu lado o tempo todo. Nunca sei quando vou precisar. Nos últimos tempos, tenho gasto muita paciência com pessoas. Tenho até medo de que meu estoque quase infinito se acabe. Infinito não acaba?? Eu disse “quase” infinito. Viu?? Tem pessoas que abusam e depois ainda reclamam que tenho pouca paciência. Por isso que tenho de racionar pra não acabar.

       Outro dia, limpei o baú. Passei cera no couro, lustrei as ferragens e arrumei a fechadura que não estava trancando. Ficou lindo! Tranquei e guardei a chave nova. O problema é que não tenho a menor ideia de onde coloquei a tal chave. Já procurei pra todo lado.

       Ouço a música ensurdecedora madrugada adentro do baile funk, que não me deixa dormir. Leio as notícias desastrosas sobre nossos políticos. Reclamo todos os dias com a Sabesp que quebrou minha calçada há mais de mês e não voltou para arrumar. Quero entender como a inflação baixa e os preços dos alimentos sobem. Vejo pessoas morrerem de frio nas ruas da cidade...

          Pois é! Arrombei a fechadura.

SP 20/06/23

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