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MEU VIZINHO PAPAGAIO

          Quando conto que minha mesa de trabalho fica voltada para a casa vizinha onde mora um papagaio, as pessoas pensam que estou inventando, que é ficção de cronista. Não estou. Sou vizinha de um papagaio.

         O bichinho mora ali há décadas. Deve ter uma saudade danada da mata. Quanto tempo vive um papagaio? De 30 a 80 anos, dependendo da espécie. Eu pesquisei. Como eu não sei de que espécie é o meu vizinho, sempre penso que ele, provavelmente, vai viver tanto ou mais do que eu.

          Quando trabalhava fora o dia todo e chegava à noite, raramente me lembrava de que o verdinho existia, mas agora, trabalhando em casa, já entendi que ele é meu companheiro de todas as horas.

       Não o vejo, mas o escuto perfeitamente. Entretanto, tenho quase certeza de que ele me vê ou também me escuta. Basta eu começar uma aula on-line ou tentar gravar um vídeo para o meu canal, que ele começa a tagarelar junto comigo. Talvez esteja apenas tentando conversar ou mostrar como é esperto, mas, em meio a sentimentos controversos, tenho de admitir o politicamente incorreto: o bicho é muuuuito irritante!!

        O problema é que seu vocabulário é bem restrito. Repete “louro”, repetidamente, exatamente no mesmo tom metálico, esganiçado, até eu me exasperar. E, além disso, costuma cantar a mesma música Óh, querida Clementina, que algum infeliz lhe ensinou, milhões de vezes. Sempre a mesma estrofe. Nunca um Chico Buarque ou Caetano, sempre Clementina.

        Já pensei em conversar com o papagaio. Explicar que ele tem de ficar calado, pelo menos de vez em quando. Mas, como não o vejo, imagino que ele fique preso em alguma gaiola, abaixo do muro da casa vizinha. Não dá pra conversar com um muro. A vizinha vai pensar que sou louca e vou parar em algum manicômio, repetindo louro para algum médico que jamais vai acreditar em mim.

            O povo da minha casa ri da minha desgraça. Acham que é um castigo de Deus. Um castigo perfeito. Afinal, dizem, quem fala sem parar merece um papagaio como vizinho pra provar do próprio veneno.

              No fundo, acho que eles estão certos.

SP 17/01/23

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