Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
O OVO
Como um ovo. Hermeticamente fechado. Ou quase, afinal, até um ovo tem poros.
Bem que eu procurei por uma porta, uma janela, uma pequena fresta, até mesmo uma quase invisível rachadura, mas nada.
Virei de um lado, de outro, para tentar deixá-lo em pé. Mas que bobagem!! Não era o ovo de Colombo.
Me avisaram que lá dentro havia um coração. Se havia, não batia. Não escutava nada.
Foram meses, que viraram anos, chocando o ovo com o meu calor. Mas talvez ele não sentisse frio, jamais fosse nascer e só queria ser deixado em paz. Quem pode saber o que pensa ou sente um ovo?
Sempre o carregava de lá pra cá, com cuidado, com medo de que se quebrasse. Hoje me pergunto se era o ovo que precisava de mim ou eu que precisava do ovo. O mesmo enigma indecifrável de quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?
Um dia fiz uma curva muito à esquerda ou à direita, não me lembro mais, e o ovo caiu. Demorei pra percebi e esqueci a curva. Não havia como voltar e procurar. Não queria voltar.
Às vezes, é assim Não precisa arrancar a fórceps, é só deixar que o band-aid caia, já sem cola.
De vez em quando, penso no ovo. Sinto fome da omelete que jamais provei. Imagino que seria bom misturá-lo à minha carne, criar um novo prato, talvez até algum tipo de iguaria. Mas sei que nem tudo são ovos.
O livro bonito, repleto de fotos apetitosas, me diz que há muitas receitas diferentes por aí, esperando para serem degustadas e... completamente sem ovos.
A fome passou.
SP 19/09/23