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O AMOLADOR

            Ouço a musiquinha ao longe e me surpreendo.

        Paro imediatamente o que estava fazendo, à espera da confirmação do que meus ouvidos me trouxeram de tão longe.

        A gaita toca de novo. Então eles ainda existem. Pensei que não havia mais nenhum pela cidade.

          Corro pela casa, pegando tesouras, alicates de unha, facas e facões e tudo o mais que possa ser amolado. Nem sei se todas aquelas coisas precisam ser amoladas, mas qual a chance de um amolador de facas passar novamente pela minha rua? E ainda tocar a musiquinha debaixo da minha janela?

          Rapidamente desço a escada e estou novamente na infância. Em um tempo em que as coisas não eram descartadas ao primeiro problema, eram arrumadas, consertadas, amoladas.

         Vejo a caixa de madeira acoplada na bicicleta e o disco pronto a rodar. No bagageiro improvisado, muitas ferramentas que eu não tenho a menor ideia pra que servem. Só sei que ajudam a fazer a mágica de deixar tudo bem afiado.

          O amolador é um velhinho de cabelos muito brancos. Claro! Nunca imaginaria que seria um jovem que jamais viveu aquele tempo, que talvez nem tenha conhecido um único amolador.

        Ele olha feliz para todos os itens em minhas mãos. Sabe que o jantar está garantido.

          Convido-o para entrar e fazer o serviço na garagem, mas ele recusa delicadamente. Diz que seu escritório é a rua e eu sorrio encantada com a cena.

          Lembro-me de que eu e meus irmãos sentávamos na calçada só pra ver o amolador trabalhar. Um outro tempo em que a rua era um lugar acolhedor.

       Tem gente que pensa que o termo amolador está errado e que o certo é apenas afiador. Nada mais equivocado. É gente que nunca viu uma amoladeira antiga e nunca teve o prazer de ouvir a música única que ela produz.

       Só quem não tem um coração afiado é que poderia imaginar que amolador tem um único sentido.

SP 16/07/24

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