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JOÃO DO RIO

          Penso em João do Rio. O escritor? Não. Apenas o João que mora perto do rio. Ou será que é José? Não tenho certeza, mas sei que mora ali naquela favela.

         Favela ou comunidade? Comunidade é politicamente correto. Mas tem diferença? Que eu saiba, nenhuma! É só pra tentar mudar o estigma. Mas não vai criar o estigma em comunidade também? Quantas perguntas difíceis você me faz!! Acho que vai, mas vamos chamar de comunidade. Não quero ser acusada de nada nesse momento de tantos “haters” nos espionando pelos nossos caminhos digitais.

         Mas voltemos ao João ou ao José.  Está desempregado. É pedreiro. E as desconstruções imperam. Ninguém quer saber de construir e, infelizmente, com tão pouco estudo, João não aprendeu a desconstruir. Com certeza, é preciso título universitário para saber destruir, essa arte tão incompreendida.

        Sem emprego, morador de favela, José faz bicos. E você que pensava que só aves tinham bicos!

          João acordou às 4, tomou um café bem ralo, enganou a fome com uma laranja que havia catado no chão, no meio da rua, e foi pegar o ônibus. Três ônibus para ser mais precisa. E depois ainda uns dois quilômetros de caminhada. A zona sul fica longe.

       Na casa da madame, o serviço é pequeno. Só uma divisória no quintal para o cachorro não invadir a horta. José fica encantado com a horta. Tem de tudo e ainda por cima, com plaquinha. Coisa bacana! Só não sabe o que madame faz com tanta verdura, tanto legume, se mora sozinha. “Melhor não perguntá, madame pode num gostá.”

         Na hora do pagamento, duas notas de cinquenta. "Cem real!!" João sabe que tem de descontar o valor do ônibus, mas não sabe fazer essa conta difícil. De cabeça, só sabe que vai dar pra comprar um quilo de arroz e um quilo de feijão, quem sabe até uns ovinhos pras crianças. O leite pro pequinininho fica pra outra vez. Num dá. Tem dívida no mercadinho.

          Chove forte no ponto de ônibus, mas José João assovia feliz.

SP 27/09/28

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