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A BRIGA

           Eu e meu protagonista brigamos.

         Já há algum tempo, ele insiste em me desobedecer. Quero que ele vá para um lado, mas ele insiste em ir para o outro. É um protagonista teimoso que se acha o dono da história só porque o fiz dono de meia dúzia de indústrias. Complexo de milionário que se acha a última bolacha do pacote.

         Em um trecho importante, ele resolveu pôr as manguinhas de fora. Me chamou de lado e disse que não iria contracenar com os outros personagens porque não tinha gostado de nenhum. Ainda por cima, para completar, me falou que era melhor eu reescrever o capítulo inteiro e que estava tudo muito ruim. Além de colocar defeito em cada parágrafo como se fosse um grande crítico literário, ainda teve a ousadia de dizer que, se eu precisasse, ele poderia reescrever para mim.

          Engoli em seco de tanta raiva.

         Só para lhe provar que quem manda sou eu, o mandei para o fundo da gaveta. Minha mãe sempre dizia que um castigo em um canto bem quieto, para pensar no que se fez, é um ótimo remédio. Claro que continuei a história sem ele. Foi viajar para o Japão sem data para voltar.

      O problema é que, mesmo sem querer admitir, senti sua falta. A história estava capenga sem a sua presença.

        Hoje, ensaiei sua volta. Disse assim, como quem não quer nada, que ele tinha saudade do Brasil e claro, mais do que depressa, o coloquei no avião de volta. Ele chegou humilde, parecia verdadeiramente arrependido. Quase dez páginas e ele se comportando como um verdadeiro cavalheiro.

      Entretanto, de repente, do nada, no início de um novo capítulo, organizou uma revolução junto com outros personagens. Disse que todos entrariam em greve se eu não escrevesse o que eles iriam me ditar. Me senti pressionada, querendo rasgar aquele monte de papel e apertar o terrível botão de delete. Mas acabei me rendendo.

        Há muito tempo já desconfiava de que eu sou apenas um instrumento e quem manda no romance são eles. Por isso, já aviso aqui aos meus leitores de que se o próximo livro for ruim, a culpa não é minha. É deles!

SP 16/04/24

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