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A VOZ DOS INVISÍVEIS

          Conheci Padre Julio Lancelotti na década de 90, quando ele era o responsável pela Casa Vida que abrigava crianças com o vírus HIV. Crianças que ninguém queria, crianças com as quais a maioria da população não queria qualquer proximidade, pois se acreditava, naquela época, que se pegava AIDS só de ficar no mesmo ambiente com elas. Eu estive na Casa Vida algumas vezes e em todas as visitas, me surpreendia com o amor que aquelas crianças tinham por Padre Júlio.

       O sacerdote, naquele tempo, já cuidava dos excluídos. Mas a trajetória desse descendente de italianos era antiga. Já há quatorze anos, antes da Casa Vida, ele já se dedicava aos invisíveis. Era conhecido como o padre da rua, ou bispo dos mendigos, sempre defendendo os pequenos, os minúsculos da cidade grande.

          Como pedagogo, participou da fundação da pastoral do menor e da pastoral da criança. Atuou ativamente em campanhas contra maus-tratos a jovens da antiga FEBEM e ainda colaborou na feitura do Estatuto da Criança e do Adolescente.

         Enfim, com mais de setenta anos, há muito que a vida desse homem é dedicada aos outros, àqueles que não têm voz.

       Cada vez que vejo no noticiário, Padre Júlio distribuindo café da manhã aos moradores de rua no dia de Natal ou quebrando a marretadas um enorme bloco de cimento que impedia que os moradores de rua se abrigassem embaixo de um viaduto, eu fico emocionada. Da onde vem a força desse homem? Por que não temos nem um centésimo de sua entrega aos necessitados? Não sei você, leitor, mas eu me sinto pequena e envergonhada perto do Padre Júlio.

          Tenho pensado que não temos na educação básica e nem no ensino superior, um programa de educação para os necessitados. Não faz parte da nossa formação o olhar para o outro, como não temos também a cultura da filantropia. Somos educados para o nosso próprio umbigo. Crescemos, amadurecemos e envelhecemos muito mais preocupados conosco mesmos do que com os outros. Há algo de muito errado nisso.

          O que eu desejo em 2024 é que você, eu e todo mundo olhe para o lado e tenha um pouco mais de empatia. Nem precisa ser muito. Um pouco de muitos é um começo de esperança.

SP 26/12/2023

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