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O MELHOR PRÊMIO

          Ganhei meu primeiro concurso literário com apenas 9 anos. Parecia um sucesso promissor. Ledo engano. Só fui ganhar outro concurso aos 31 anos com um texto teatral. Tentei mais alguns, não ganhei nada, apenas honrosos lugares entre os finalistas e, por fim, desisti. Dá muito trabalho a inscrição e eu sempre trabalhei muito. Não havia tempo para concursos.

          Os tais concursos caíram em algum buraco negro do meu cérebro e não pensei mais neles, até que outro dia, chegou o convite para participar de um concurso no meu e-mail. Há anos eles não desistem de mim, mesmo que, há séculos, eu tenha desistido deles. Deve ser algum tipo de amor platônico não correspondido.

          Nunca leio esses e-mails. Vão direto para a lixeira. Mas um folder bem feito me agarrou na armadilha. O prêmio em dinheiro era atraente. Ainda havia a publicação do romance por uma grande editora. Pensei: por que não? O máximo que podia acontecer era eu não ganhar, frustração já aprendida e assimilada nos anos 90. Nada que me levasse de volta ao terapeuta.

         Vou para o edital. Enorme! Já deu uma preguiça danada de ler. Mas, determinada, enfrentei o textão. O que me chamou atenção era o tanto de documentos que nada tinham a ver com a literatura. Não importava se eu era uma escritora ou não, primeiro precisava mostrar que eu era eu com RG, CPF, Título de Eleitor, comprovante de residência, além de situação de não débito junto à receita federal, do estado, do município e um sem fim de papeis inúteis.

          Ao invés de um currículo com os meus trabalhos em literatura, eles estavam mais preocupados em saber se não havia alguma dívida minha em algum lugar. Pensei: e se eu quisesse o prêmio para pagar as dívidas? Sorri. Acho que não seria possível.

      Já estava disposta a passar uma tarde de burocrata providenciando a burocracia quando meu botão de alerta vermelho foi acionado. Você não tem um botão que aciona quando seus limites estão nos limites? Que dó de você!! O meu funciona maravilhosamente bem e rapidamente foi acionado quando, no artigo 46, parágrafo 3, linha 22 indicava que, além de todos os documentos, eu teria de mandar cinco cópias do romance, em papel, pelo correio.

     Correio?? Cinco cópias?? Papel?? Em que caverna essas pessoas vivem?

         Vejo o dinheiro do prêmio sair voando com duas asinhas brancas  e o livro, em sua bela capa dura, evaporar como fumaça. Quem sabe daqui uns trinta anos, eu leia novamente outro edital. Por enquanto, pego o dinheiro que iria para o correio e compro um enorme doce de chocolate. Saboreio, me imaginando conversando com a rebelde Clarice Lispector e ela me dá razão. Chegam Machado e Drummond porque imaginação não tem limite. Eles se dividem no que eu devo ou não fazer. Descubro que imaginação também pode ser polarizada e dou risada em voz alta. Ganhei! Não pode haver prêmio melhor que esse!

SP 18/10/22

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