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GUERRA

          Madrugada. A apreensão cede lugar à certeza quando escuta o primeiro bombardeio. Não há mais lugar para negociação, nem entre poderosos homens e nem em seu coração. A verdade ressoa.

          Olha seu filho de apenas um ano, que acordou assustado e agora chora. Ela o pega no colo. Pensa: o que fazer? Será que dá tempo de ir para um abrigo? Será que fica em casa? Quais são suas coisas mais valiosas? O que escolher entre pertences de uma vida inteira que caiba em uma pequena mochila?

         Outra bomba cai um pouco mais perto. A morte se aproxima. E se não tiver comida no abrigo? Como vai alimentar seu filho?

     Não consegue mais falar no celular. As antenas devem ter sido destruídas. A internet não funciona. A TV saiu do ar. Não tem notícias de nenhum familiar, de nenhum amigo. Está sozinha. Ela e seu filho.

       Pega uma foto de seus pais. Outra em que estão os três, seu filho recém-nascido e o amor de sua vida, que outra guerra já levou. E coloca dentro de um plástico no fundo da mochila. Uma faca. Uma lanterna. A última lata de leite em pó da despensa. Duas trocas de roupa. As fraldas ocupam muito espaço, mas não há o que fazer. Enquanto tenta decidir o que é mais fundamental, outra bomba cai tão perto que parece que o chão tremeu.

       Deus, onde está você? O choro é inevitável, enquanto anda de um lado para outro pegando coisas, pondo e tirando da mochila, decidindo o que nunca precisou ser decidido.

      Pela janela, vê um tanque do inimigo perverso. Apaga a luz do apartamento. Tem medo de que atirem. Fica no escuro. Ainda mais escuro. Como vai andar pelas ruas com um bebê e uma mochila sem ser vista? E se não existir mais o abrigo? E se não puder voltar para casa? E se uma bomba destruir o seu pequeno lar?

       Engole o choro. Coloca seu filho no canguru bem apertado a seu peito. A mochila nas costas. Tranca o apartamento e vai guardar a chave na mochila. Pensa: pra quê? Não. A chave vai para a mochila sim. Porque um dia, quem sabe, a vida ainda possa continuar.

       Respira fundo. E, sem qualquer proteção, vai enfrentar os tanques.

        SP 01/03/22

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