Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
MEDO DA CHUVA
Leio a notícia de que a chuva foi recorde, 680mm. O que significa isso? Como nunca fui brilhante em geografia, fui relembrar os conceitos básicos com meu mestre Google. Adoro esse mestre que jamais me chama de ignorante e está sempre disposto a me instruir, mesmo que, de vez em quando, ele pise na bola e ensine umas coisas bem erradas. Mas isso já é assunto para outra crônica.
Voltando à chuva, reaprendo que 1mm de chuva é o mesmo que 1 litro de água em 1m², ou seja, em cada metro quadrado de São Sebastião choveu 680 litros. É muita água. Acho a chuva linda, mas uma coisa é a cena romântica de ver a chuva pela janela molhar o jardim, outra é ver a minha janela ser arrancada por um mar de lama que desce morro abaixo.
Fico tentando imaginar o que aquelas pessoas sentiram, o medo, o desespero, ver tudo desmoronar sem poder fazer nada. Não saber direito se é melhor sair correndo ou procurar um abrigo em uma casa que corre o risco de se desfazer inteira. E se ainda houver crianças? Como sair pela lama raivosa com duas ou mais crianças pequenas?
A pobreza é triste. A pobreza em pleno século XXI, em uma das principais economias do mundo, é desumana. Leio o comentário de um leitor do UOL, dizendo que a culpa é dos próprios habitantes das encostas que foram morar naquele lugar. Tenho vontade de gritar de raiva. Como assim? Quem quer morar em uma área de risco, se tivesse a opção de morar em uma área segura? É o mesmo que culpar os moradores de rua porque acampam nas praças.
Não falta só empatia. Falta humanidade. Tem alguma coisa de muito errado acontecendo em nossa sociedade. Cães são aceitos em shopping centers, em restaurantes, como se fosse a coisa mais natural e higiênica(não é, tá?!), mas os ricos não querem se misturar com os pobres. Torcem o nariz quando veem pobres em restaurantes ou shoppings que frequentam. Desde quando um ser humano vale menos do que um cão?? Por isso que moradias populares têm de ficar bem escondidas em lugares que os ricos não querem e não vejam.
Políticos, que já são ricos ou ambicionam ser, pensam da mesma forma. Não conheço nenhum município que tenha uma política pública que tirou seus pobres de todas as áreas de risco, que não tenha falta de moradia, que todos os moradores pobres vivam em uma habitação que não precisa ser chique, mas tem que ser digna e não fique nos cafundós do Judas, onde ninguém quer morar.
Tanto dinheiro para corrupção, para obras inúteis, para pagar privilégios... e tão pouca compaixão, bondade, humanidade.
Apesar de linda, ainda vamos ter muito medo da chuva.
São Paulo, 28/02/2023