Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
UMA HAMSTER MALUCA
Depois de muitas tentativas fracassadas, finalmente me acostumei à academia de ginástica. Afinal, não tive muita escolha. O ortopedista foi cruel. "Ou você vai para a academia para o resto da vida, ou o resto da sua vida será sem os seus joelhos", ele profetizou muito sério. Nesse caso, pensei, os meus joelhos são partes queridas e não posso decepcioná-los.
Enfim, a academia passou a fazer parte de minha rotina. Para ser bem sincera, até gosto, apesar da preguiça. O que continuo achando esquisito é a meia hora de esteira. Ainda me sinto uma hamster andando feito boba na gaiola, sem chegar a lugar algum. Já tentei de tudo. Escuto música, aulas de qualquer coisa e até audiobooks, mas enjoo de tudo isso com facilidade e, às vezes, o enjoo não é apenas em sentido figurado.
Entretanto, recentemente, encontrei uma maneira de fazer o tempo passar mais rápido. Escolho uma pessoa à minha frente, um anônimo qualquer fazendo exercício, e escrevo mentalmente a sua história. Claro que, como qualquer autor, tenho meus personagens prediletos.
A mocinha muito alta e magra, sempre de preto e com olheiras fundas, na minha imaginação é uma top model famosa. Não é bonita assim sem qualquer maquiagem, mas consigo vê-la em um vestido glamouroso andando distraída pela passarela. Estou preocupada. Não gosto de clichês, mas desconfio de que sua depressão profunda a levará a tentar o suicídio, ou talvez não, afinal o rapaz musculoso que levanta pesos em frente ao espelho parece se interessar por ela. É só aproximar os dois e marcar o encontro que vai mudar suas vidas. Farei isso no próximo episódio.
O velho gordinho se esforça bastante. Sua em bicas em qualquer exercício, mas eu o acompanho de perto e sua perda de peso é visível. Mais um século e com certeza ficará magro, musculoso e quiçá, até mais moço. Tudo é possível. Depois de anos e anos de trabalho duro, finalmente se aposentou e faz o que gosta. Creio que ficará viúvo, afinal, há muitas senhoras idosas pulando de aparelho em aparelho em busca de um novo amor. Tenho de ajudá-las.
Já a quarentona em plena forma, provavelmente, nunca leu A Mulher de 30 anos, mas Balzac se inspiraria nela com certeza e escreveria a mulher de 40 anos. Isso mesmo. Pare de se enganar. Largue dessa bobagem que as pessoas repetem. A mulher de quarenta NÃO é a antiga de trinta. Esses dez anos fazem toda diferença do mundo e cronista não faz milagres.
Tem o moço de cabelo verde, os namorados musculosos, a halterofilista triste, enfim, há tanta fartura de personagens, tantas histórias, crônicas, séries, peças de teatro a serem escritas que nunca mais vou deixar de frequentar a academia. Da mesma forma que um chef vai à feira comprar seus ingredientes frescos, eu vou à esteira, e corro empolgada como uma hamster maluca.
São Paulo, 31/05/2022