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VERDE E AMARELA

             Ela ainda estava lá, no escuro, depois de tanto tempo.

         Nunca teve o costume de passear diariamente, mas, pelo menos, de quatro em quatro anos, gostava de dar o ar da graça, já que o fundo de uma gaveta, embaixo de uma pilha, não é um lugar mesmo com qualquer graça.

         Lembro-me de quando foi comprada em um longínquo 2010. Comprei para usar com orgulho no exterior, enquanto fazia um curso. Sozinha, em um país estrangeiro, costumava vesti-la nos dias de jogos, sair às ruas e gostar da reação das pessoas quando me reconheciam, por causa dela, como brasileira. Perder nas quartas de final para os Países Baixos foi realmente um golpe baixo na minha autoestima. Não usei mais.

          Em 2014, estava com a corda no pescoço para a entrega do meu doutorado e perder meu tempo para ver um doloroso 7x1 foi catastrófico em todos os sentidos. Ela saiu do meu corpo direto para a máquina de lavar. Era preciso tirar a urucubaca, a má sorte, o azar, seja lá o nome daquilo que havia impregnado.

        Em 2018, não quis vê-la. Estava brava como ela havia servido a propósitos tão tristes. Mas agora, sei que ela não tem culpa, nunca teve. Foi usada sem qualquer escrúpulo. Em sua presença, mas não com a sua cumplicidade, milhões apoiaram medidas que possibilitaram que milhares morressem de covid, milhares de quilômetros de floresta deixassem de existir, milhares de crianças vissem sua merenda escolar reduzida, milhares passassem fome.

           Mas hoje, olhando-a quietinha, sinto dó. Tiro-a para o ar livre. Livre! Finalmente, ela está livre. Não pertence a ninguém, mas é de todo mundo. Visto-a meio envergonhada. Tento olhá-la em mim com os antigos olhos. Está bem mais justa, porque doze anos de comilança cobram seu preço, mas ainda me serve. Fico com ela, bem antes do jogo começar e bem depois. Como duas grandes amigas, estamos nos reaproximando.

         Ao final do dia, retiro-a carinhosamente enquanto passo a mão em seu tecido. É só uma camisa eu sei, mas é muito bom poder vesti-la novamente com orgulho e soltar aquele grito, há tanto tempo calado no peito. VAI, BRASIL!!!!

 

SP 24/11/2022

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