Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
ÚLTIMA DO ANO
A praia está cheia. As pessoas, na falta de sol para se estender na canga ou na cadeira, assando devagarzinho como frango assado de padaria, andam de lá pra cá e de cá pra lá. Chegam a congestionar a faixa de areia rente ao mar, espaço preferido da grande maioria.
No guarda-sol ao lado do meu, uma família que não conheço. Ele, meia-idade, um pouco calvo e a barriga pulando por cima do calção, sentado em sua cadeira Rochedo de listas, está de óculos escuros, mesmo com o tempo completamente nublado.
Sua mulher conversa com a vizinha e o casal de filhos brinca na areia. Quadro absolutamente comum, a não ser pelos óculos escuros, completamente desnecessários nesse clima, e que chamam minha atenção.
Sei que você, meu leitor querido, já sabe que tudo me chama atenção, mas óculos de sol sem sol chamariam atenção até de um cego. Lembro-me de uma amiga me contando que usou o mesmo recurso dos óculos escuros em uma praia de nudismo. Quis parecer moderna e ninguém perceber que ela estava examinando cada corpo nu que passava por ela e, sendo assim, só de óculos escuros e, de preferência, bem grandes, que cubram completamente a área dos olhos. Os óculos funcionam como uma máscara que impede que as pessoas saibam para onde estamos olhando. Recurso antigo, mas eficiente.
Bem, voltemos ao meu vizinho de guarda-sol. Ele ajeita a cadeira, e quase posso garantir que seus olhos buscam ávidos pelos belos corpos bronzeados que passam a sua frente. São mulheres de todas as idades, de todas as cores, de todos os manequins e algumas, realmente, muito bonitas.
Meu lado feminista fica um pouco indignado. Como assim? Que pelo menos assumisse o olhar, sem óculos, como eu faço, descaradamente olhando a tudo e a todos. Não apenas olho, como também escuto. E foi assim que escutei a mulher dizer à vizinha que o marido estava com uma conjuntivite terrível, mal podia abrir os olhos, mas que, mesmo assim, não quis deixar de acompanhar a ela e as crianças na praia e por isso, os óculos escuros.
Sei o que você vai dizer. Poderia ter terminado o ano sem essa. Concordo! Minha única desculpa é que aí eu não teria assunto para essa crônica. No fundo, a culpa é toda sua, leitor, e minha necessidade de agradá-lo.
Desejo que, em 2022, você não me obrigue a ser tão enxerida! Feliz novo ano!!
São Sebastião, 28/12/2021