Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
A MULHER CANHOTA E
BREVE CARTA PARA UM LONGO
ADEUS
O ganhador do prêmio Nobel de 2019, o austríaco Peter Handke, é, no mínimo, um personagem controverso. Primeiro, porque ele era contra a academia sueca, a mesma que lhe concedeu o prêmio Nobel, depois, porque apoiava o governo do tirano sérvio Milosevic e, além do apoio ainda negou que houvesse acontecido o genocídio praticado aos muçulmanos bósnios. Por causa dessa sua posição, ele foi duramente criticado, inclusive, por outros escritores.
Handke tem uma obra bastante vasta tendo escrito não apenas romances, mas livros de poesia, peças de teatro e argumentos para cinema. Inclusive, ele chegou a dirigir alguns filmes.
Ele não é muito conhecido no Brasil e tem poucos livros editados por aqui, alguns, inclusive, que já estão esgotados, mas quem sabe com a publicidade pelo prêmio Nobel, venham a ser reeditados.
Nossa resenha é sobre um livro de Handke que traz duas histórias curtas: A Mulher Canhota e Breve Carta para um Longo Adeus. Este é um livro bastante conhecido de Handke, mas, com certeza, não é seu melhor livro. Minha escolha baseou-se, principalmente, porque ele é ainda facilmente encontrado no Brasil e porque é um livro fácil e permite uma boa entrada à obra do escritor
A mulher Canhota conta a história dos primeiros dias de uma separação pela ótica da mulher que fica sozinha com o filho na casa que era do casal. Creio que a característica que mais chama a atenção do leitor ao adentrar a obra do Handke são suas frases descritivas, incrivelmente curtas e que, em alguns momentos, parecem ser até dispensáveis. Um bom exemplo está no parágrafo abaixo que aparece do nada entre duas cenas importantes, e não diz respeito nem à cena anterior e nem à posterior e que, a um leitor desavisado, talvez passasse a impressão que poderia até ser suprimido, mas esta é a marca do escritor:
Num supermercado ali perto, ela empilha pacotes enormes no grande carrinho de compras, empurrando-o de uma seção a outra naquele imenso prédio, até ele quase transbordar. Depois entrou numa fila diante de uma caixa, com muitas outras pessoas: os carrinhos dos fregueses estavam tão lotados quanto o seu. No estacionamento diante do supermercado ela empurrou o carrinho pesado, com as rodas entortando a toda hora, até junto do automóvel. Encheu o automóvel, até mesmo o banco de trás, de modo que nem podia mais enxergar através do vidro traseiro. Em casa, guardou tudo no porão , porque todos os armários e o freezer estavam cheios.
Ele detalha uma cena que é conhecida de todo mundo que faz supermercado. Nada acontece nessa cena no supermercado, mas, sutilmente sua narrativa faz todo o percurso de alguém que faz compra: tira a mercadoria da gôndola, põe no carrinho, empurra o carrinho, passa pelo caixa, toda trabalheira que isso dá, para, no final do parágrafo, nos contar que a personagem teve de guardar a compra no porão porque os armários e o freezer estavam cheios, ou seja, ela não precisava fazer compra nenhuma. Ela só estava ocupando seu tempo com as obrigações a que estava acostumada, se ocupando de coisas corriqueiras do dia a dia enquanto sofria pelo divórcio.
Já em Breve Carta para um Longo Adeus que também conta a história de uma separação, desta vez pela ótica masculina e através de uma longa viagem que o protagonista faz pelos Estados Unidos, essas frases curtas já não são tão comuns como em A Mulher Canhota, mas os pequenos detalhes continuam nos dando dicas importantes de como o protagonista está alterando seu modo de ser, de pensar e de sentir.
Ao ler as duas histórias, percebemos que para Handke, tão importante quanto o conteúdo da história á a forma de contá-la, o que exige de nós, leitores, uma atenção maior, já que a forma também é responsável por nos revelar mais sobre os personagens e sobre a própria história. Este livro é importante para entender a obra do escritor austríaco, por estar incluído em um afase mais experimentalista de Handke.
Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=acMAHCx1SKI
FICHA TÉCNICA
Título Original – Die linkshändige Frau
Edição Original – 1972
Edição utilizada nessa resenha: 1985
Editora: Brasiliense
Páginas: 204