Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
A SANGUE FRIO
Há pouco tempo, eu falei aqui no site de um livro-reportagem que eu gosto bastante que é Relato de um Náufrago de Gabriel Garcia Marques. Já o livro A Sangue Frio, é um romance que mistura um pouco o gênero livro-reportagem e também o gênero policial e talvez, por isso mesmo, tenha feito tanto sucesso, sendo considerada a principal obra do escritor americano Truman Capote. Aliás, o próprio escritor disse que A Sangue Frio inaugurou um novo gênero literário, que seria o romance de não ficção.
Truman Capote nasceu em 1924 e começou a escrever cedo. Reza a lenda que com 11 anos de idade, já escrevia três horas por dia. Mais tarde, seu primeiro conto publicado chamado Miriam ganha um premio importante. Assim, ele já era um escritor com alguma fama, tendo publicado seus contos na prestigiosa revista The New Yorker quando lê sobre o assassinato da Família Clutter. Pode ser que o que tenha lhe chamado atenção tenha sido porque Clutter quer dizer desordem em inglês.
Era o ano de 1959 e Os Clutters moravam em Holcomb, uma pequena cidade do Kansas. Capote vai para lá com a amiga e também escritora, Harper Lee, antes que houvesse qualquer pista sobre quem seriam os assassinos e passa mais de um ano, entrevistando os moradores e todos que pudessem ter qualquer ligação com a família ou com os criminosos. Mesmo assim, ainda demora anos para concluir o livro que só seria publicado em 1965.
Uma possibilidade para o livro ter demorado tanto a ficar pronto é que talvez, nesse meio tempo, estivesse aproveitando o sucesso de sua novela Breakfast at Tiffany,s que em 1961 virou filme com a atriz Audrey Hepburn, chamado aqui no Brasil de Bonequinha de Luxo.
Capote dá uma aula de boa literatura em A Sangue Frio. Apesar de relatar cronologicamente os fatos, o romance começa antes dos assassinatos. O escritor sabe que é preciso ambientar o leitor ao contexto da pequena cidade de menos de trezentos habitantes e apresentar os quatro membros da família Clutter, pai mãe, e os dois filhos que seriam assassinados. Depois de isso feito, ele começa a mostrar o outro lado. O que estavam fazendo os dois assassinos antes de praticarem o crime. É uma narrativa que alterna o tempo todo esses dois lados. De um lado, a polícia, os vizinhos e amigos dos Clutters e o que estavam sentindo e fazendo depois dos homicídios e do outro lado, a trajetória de Dick Hickcock e Perry Smith, os dois colegas de presídio que mataram os Clutters.
Há na narrativa a intenção deliberada de adiar esclarecer tanto o motivo dos assassinatos, como o próprio ato em si que somente aos poucos vai sendo descrito. Isso faz com que nós, leitores, apesar de sabermos o final, sabermos o que vai acontecer, fiquemos presos à trama.
Por fim, o autor ainda opta por ir além da prisão dos dois criminosos. Ele continua acompanhando-os até o julgamento e a sentença.
O livro consegue a façanha de ainda mostrar o contexto do interior dos Estados Unidos, o famoso estilo de vida americano e a discussão sobre a pena de morte.
O escritor não usava gravador ou tomava notas quando estava fazendo entrevistas e, ao longo dos anos, várias vezes a veracidade dos fatos relatados, ou pelo menos, de muitos detalhes, foi questionada. Mas, como disse o jornalista Matinas Susuki ao final da edição da Companhia das Letras, Capote nunca disse que era jornalista. Pelo contrário, sempre foi um escritor e não havia, pelo menos da parte dele, o compromisso total com a verdade. Por isso que ele diz que é um romance sem ficção, ou talvez, eu definiria como a realidade romanceada de um fato.
Uma curiosidade é que o escritor passou horas e horas conversando com os dois criminosos. Esteve presente no enforcamento como testemunha escolhida por ambos e ainda se comenta que Capote pode ter se tornado amante de Perry Smith. O que nunca foi provado.
A Sangue Frio tornou-se também filme de sucesso.
Livro-reportagem ou romance, ou o misto dos dois, é um livro para ler e aprender como se faz uma ótima narrativa. Com A Sangue Frio, Capote consegue comprovar sua tese de como a realidade pode ser tão empolgante quanto a ficção. Vale a pena a leitura!
Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=ZiemWaRNRNc
FICHA TÉCNICA
Título Original – In Cold Blood
Edição Original – 1965
Edição utilizada nessa resenha: 2003
Editora - Companhia das Letras
Páginas: 432