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A VIDA NÃO É ÚTIL

           Nos últimos tempos, nós assistimos horrorizados a situação de pobreza e desnutrição extrema do povo Yanomami que tiveram suas terras invadidas pelo garimpo ilegal que acabou com a caça e também com a pesca, pois o garimpo joga quantidades enormes de mercúrio nos rios.

          Entretanto, a situação dos Yanomami não é a única no Brasil. Várias etnias dos indígenas vivem situação parecida. E o problema dos povos originários é antigo porque durante séculos houve um entendimento equivocado que o indígena era atrasado e que precisava se civilizar, o que é uma enorme estupidez.

          Começamos pelo erro de dizer que o Brasil foi descoberto. Não. Ele não foi descoberto. Não era uma terra inabitada, desconhecida de quaisquer outros seres humanos para ser descoberta. O Brasil, no termo correto da palavra, foi invadido e colonizado por Portugal. E o colonizador, fosse ele português, espanhol ou inglês sempre acreditou que o seu modo de vida era o melhor. Foi assim não apenas no Brasil, mas em toda América do Sul e, principalmente, na África, locais em que vários povos originários e donos da terra também foram dizimados.

          Frente ao contexto em que vivemos, voltamos a falar de mais um livro do jornalista e indígena Ailton Krenak, chamado A Vida Não É Útil. Aqui no site nós já falamos de Ideias para adiar o fim do Mundo do mesmo autor

          Ailton Krenak é da tribo dos Krenak que vivem no vale do Rio Doce em Minas Gerais. O rio Doce, que os Krenak chamam de Watu, também está completamente poluído por resíduos tóxicos da mineração que acaba com a terra, com a natureza, como se a companhia exploradora de minério fosse dona de tudo. E o jornalista vem fazendo palestras, tentando fazer as pessoas compreenderem que os indígenas têm outra cultura, mas isso não significa que seja uma cultura mais atrasada, só é diferente.

        A Vida Não é Útil reúne cinco textos adaptados de palestras e entrevistas realizadas entre 2017 e 2020.

       No primeiro texto chamado Não se Come Dinheiro, escrito sob a influência da pandemia da covid, Krenak lembra que não é preciso um sistema bélico complexo com muitas armas para extinguir a humanidade, basta apenas um vírus letal. Ele critica a concentração absurda de dinheiro em poucas mãos, enquanto pessoas morrem de fome e lembra que, mesmo esses arquibilionários precisam de coisas simples para sobreviver como a saúde e, às vezes, nem todo o dinheiro do mundo não é capaz de comprar.

          Na visão do escritor, o nosso planeta, a Terra, é um organismo vivo em que tudo está interligado e que se as grandes corporações estão matando o planeta, nós temos de reagir, exigindo medidas protecionistas dos governos, mas, às vezes, até com micropolíticas como cultivar a própria horta, tornar suas calçadas mais verdes, etc...

          No segundo texto, que Krenak denominou de Sonhos para Adiar o Fim do Mundo, o pensador lança a ideia de sonhos como instituições que nos preparam para viver o cotidiano e que, justamente porque só compartilhamos nossos sonhos com pessoas mais íntimas, os sonhos também são espaços de afetos. É o que ele chama de consciência coletiva.

         Os Krenak acreditam estar ligados à terra, aos rios, às pedras e que com toda essa sintonia a vida fica melhor, pois em um planeta abundante poucas horas precisam ser direcionadas à subsistência, sobrando mais tempo para cantar, dançar, enfim, viver.

        Já em A Máquina de Fazer Coisas, título do terceiro texto, ele lança a questão de que se fomos capazes de ficar em casa durante a pandemia, um grande esforço coletivo para conter o vírus, por que não podemos parar de depredar o planeta? Festejamos tanto a tecnologia e esquecemos de preservar a natureza, o que parece e é uma grande burrice.

        Krenak questiona por que temos de fabricar tantas coisas, tantos carros? Por que não podemos ficar com o mesmo carro durante décadas como acontece, por exemplo, em Cuba que, por causa do boicote econômico, ainda utiliza carros da década de 50 do século passado. O consumismo nos tornou máquinas de fazer mais e mais coisas sem parar. Nesse texto, ele cita, inclusive, Gandhi que dizia que a Terra tem o suficiente para prover todas as pessoas, mas se cada um quiser ter vários carros, várias casas, vários de tudo o tempo todo, obviamente vai faltar.

         No quarto texto denominado O Amanhã Não Está à Venda, krenak conta que durante a pandemia se isolou com seu povo na aldeia e faz críticas à então política desastrosa do presidente Bolsonaro em conter a pandemia. Faz paralelo entre a necessidade de oxigênio que os doentes precisavam com o oxigênio que a Terra nos dá de graça e critica aquela gente que estava muito mais preocupada com a economia do que com as vidas que poderiam acabar. E reflete que seria muito triste se depois de tudo o que passamos durante a pandemia, voltássemos à "normalidade" em que todo mundo só vive para trabalhar e comprar coisas muitas vezes desnecessárias.

          Por fim, o quinto e último texto que dá título também ao livro A Vida Não é Útil é um alerta de que mesmo as chamadas ações de sustentabilidade não são suficientes e, ao fazermos coisas que imaginamos sustentáveis estamos só nos enganado e aos outros de que não precisamos mudar radicalmente nossa forma de vida. Inclusive, parando de achar que a vida tem de ter utilidade, ela não precisa ser útil, a vida existe para ser vivida em comunhão com a natureza, um grande exercício de fruição. Os povos originários em várias partes do planeta entendem isso e não querem participar da civilização do branco que trabalha doze horas por dia para viver mal e dar cada vez mais dinheiro a poucos que acumulam sem medida, criando demandas que destroem o planeta.

     O livro, como outros do Krenak,  é interessante porque traz uma visão totalmente diferente da que estamos acostumados, daquela que aprendemos na escola. É muito atual porque foca o presente, os problemas que todos estamos enfrentamos. E é urgente que tomemos contato com o que pensa aqueles que, como os Yanomami, são ameaçados de extinção, para evitar que mais tragédias ocorram.

      Dizer que os indígenas têm de parar de viver na floresta e têm de ser trazidos a viver na cidade é uma visão tosca, equivocada, igual aos dos nossos colonizadores que não entenderam que o seu modo de vida não é o único e nem necessariamente é o melhor. Além disso, é a visão de quem quer explorar as terras indígenas com garimpo, pecuária e soja para gado, esquecendo que dependemos todos da preservação da floresta para o equilíbrio do clima, do ar que respiramos, preservação que os indígenas fazem tão bem.

         

Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=WnjQPoYk1AU

FICHA TÉCNICA

Título Original – A Vida Não é Útil

Edição Original – 2020

Edição utilizada nessa resenha: 2020

Editora - Companhia das Letras

Páginas: 126

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