Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
CONVERSA DE ESPECIALISTA
Dizem as boas línguas que sou especialista em crônicas. Afinal, pesquiso as danadas há mais de vinte anos. Mestrado, doutorado e pós-doutorado. Crônicas do século XIX, do século XX, de qualquer século, crônicas musicais, orais, crônicas transplantadas dos jornais para os livros, para a internet, crônicas de todos os tipos.
Pode perguntar. Sei tudo a respeito. E, se não souber, invento. Afinal, a especialista sou eu e você vai acreditar em qualquer coisa que eu lhe disser. Certo? Errado! Ninguém sabe tudo. Posso saber mais sobre crônicas do que um não estudioso no assunto, mas isso não signifique que eu acerte sempre.
Tenho pensado muito sobre isso. O cidadão comum tem mania de acreditar em qualquer coisa que um especialista de uma determinada área diga, mesmo que seja uma baboseira que contrarie qualquer bom senso. É só pôr um título de mestre ou doutor na frente do nome, que a credibilidade vem a galope. Principalmente, se o tal especialista ainda usar uns óculos de aros grossos e escuros. Nada como um estereótipo de inteligente!
É dessa cômoda aceitação que propagam as fake news(ou mentiras mesmo no português claro!) Ninguém questiona nada que vem nem do vizinho, quanto mais de um “doutô”. Precisamos aprender a ouvir com mais inteligência. Questionar sempre.
E especialista, ou mesmo aquele que não é, mas se acha, também costuma ser um bocado arrogante. Basta alguém só pensar em questioná-lo, que ele já eleva a sobrancelha e vem com a frase famosa que o especialista é ele. Tem especialista em tudo, principalmente em política e futebol. Alguém sempre conhece alguém ou leu algo ou põe a mão no fogo pra dizer tal asneira. E a gente lá, ouvindo.
É muito melhor ser mineirinho como minha mãe me ensinou: confiar, desconfiando. Assim, quando escuto ou leio algo, vou escutar ou ler pelo menos de mais duas fontes diferentes. Estou em uma fase em que não acredito de pronto em mais nada. E, se a pessoa insiste em querer me convencer no imediato, ligo o botãozinho e a portinhola do meu cérebro se abre e aquele monte de letrinha vai tudo parar no buraco negro. Não ouço mais nada, mas a pessoa nem percebe.
Assim, estou me tornando especialista em outra coisa: em duvidar de tudo. Até agora tem sido uma boa especialidade.
SP 31/01/2023