
Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
INQUIETA COMPANHIA

Nós temos aqui no site, algumas resenhas de obras de Gabriel Garcia Marques e Mario Vargas Llosa, que juntamente com dois outros escritores sul-americanos, o mexicano Carlos Fuentes e o argentino Julio Cortázar fizeram parte do boom latino americano que aconteceu nas décadas de 60/70.
Os escritores latino-americanos não eram conhecidos na Europa porque simplesmente não eram editados por lá. Quando esses quatro escritores começaram a ser publicados, tanto na Europa como nos EUA, começa então uma descoberta e valorização da literatura sul-americana.
Lê-los juntos é um percurso de leitura para entender um pouco como esse descobrimento dos latino-americanos se deu, e que os une além da escrita em espanhol. Você deve estar se perguntando e os escritores brasileiros? Infelizmente, eles não acontecem nessa mesma época, talvez pela pouca difusão da língua portuguesa, eles só vão ganhar o mundo mais tarde.
Carlos Fuentes, como outros escritores sul-americanos, lecionou em grandes universidades americanas como Harvard e Princeton e também como muitos outros, morou na Europa. Além disso, ainda como seu colega peruano Vargas Llosa que foi candidato a presidente do Peru, Fuentes também teve uma participação na vida pública, tendo sido embaixador do México na França. Como também era filho de diplomatas, na infância, morou em vários países, inclusive no Brasil e no Chile. Essa experiência de morar fora de seus países, deu a esses escritores um olhar diferente, um elemento de universalidade em suas obras. Entretanto, a marca da obra de Fuentes é muito voltada para o seu próprio país, uma tentativa de compreender a sociedade mexicana. Ele tenta fundir a universalidade, mas a cultura mexicana sobressai.
Para entrarmos na obra de Fuentes, eu pensei que não deveríamos entrar pelas suas obras mais conhecidas como A Morte de Artemio Cruz ou Aura, mas por um pequeno livro de contos que é Inquieta Companhia. São apenas seis contos, mas que no transporta para o México, como o escritor o enxerga, e nos prepara para suas obras mais complexas.
Além disso, é um retorno do escritor à literatura fantástica, que foi muito presente no início de sua carreira. Seu primeiro livro, chamado Los Días Enmascarados, lançado em 1954, foi justamente de contos de literatura fantástica, mas, com o tempo, esse gênero foi abandonado porque houve uma reação dos críticos mexicanos que diziam que ele estava sacrificando o México real na tentativa de fazer uma literatura universal.
Claro que essa era uma visão completamente equivocada. É possível fazer literatura fantástica e, ao mesmo tempo, ser uma literatura contextualizada e até mesmo de crítica social. Além disso, na minha opinião, literatura não é sociologia e por isso sua função é contar uma história e não precisa ser uma literatura engajada. O próprio Fuentes em entrevista ao jornal O Globo, em 2006, afirma que o compromisso primeiro de um escritor é com a linguagem e a imaginação, e não com a política.
Em Inquieta Companhia, lançado em 2004, os contos começam em um ambiente de normalidade, mas, aos poucos, vão sendo povoados por seres fantásticos como anjos, vampiros, fantasmas e bruxas, tendo como temas principais a solidão e a morte. A morte é um tema caro ao escritor, como se o tempo todo houvesse um questionamento implícito: para que viver se vamos morrer, um destino inexorável?
No primeiro conto, por exemplo, chamado O Amante do Teatro, um editor de cinema, se apaixona platonicamente por sua vizinha que ele descobre ser uma atriz e, todas as noites, vai ao teatro para vê-la em Hamlet, mas não tem coragem de ficar até o fim, até a cena em que sua personagem morre, ou seja, mostrando que a morte, mesmo na ficção, nos incomoda.
Outro fato que podemos observar é que não há heróis ou anti-herois. Cada um dos contos tem um ou mais personagens absolutamente normais com problemas normais e que o fantástico vem de alguma forma, para o bem ou para o mal, resolver. Outra marca do escritor é o tempo não linear. Em entrevista Fuentes chegou a dizer: “Eu quero comunicar que a minha concepção de tempo não é linear. Por vezes é circular, outras vezes é de eternos retornos, às vezes em espiral como em Joyce.”
O meu conto preferido É a Boa Companhia em que um jovem, que foi criado na França retorna ao México, depois da morte de sua mãe para conhecer e viver com as tias, duas velhas misteriosas que jamais são vistas ao mesmo tempo. Uma sempre de dia, a outra sempre de noite o que nos leva a pensar se são realmente duas. Aliás, são sempre as personagens femininas dos contos de Inquieta Companhia que detém o mistério, o que é muito interessante, como se a mulher tivesse um poder a mais.
Enfim, é um livro gostoso de ler, mas que suscita muitas questões adjacentes, que envolvem, inclusive, a própria escrita e a literatura em geral. Carlos Fuentes declarou quando fez 80 anos:
"Deve-se ter muito medo de escrever. Não é um ato natural como comer ou fazer amor, é de certa forma, um ato contra a natureza. É dizer à natureza que não se basta a si própria, que precisa de outra realidade, da imaginação literária."
Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=LAwB7lyA_8w
FICHA TÉCNICA
Título Original – Inquieta Compania
Edição Original – 2004
Edição utilizada nessa resenha: 2007
Editora - Rocco Rio de Janeiro
Páginas: 272