Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
MACUNAÍMA
Macunaíma é a obra mais conhecida de Mario de Andrade e uma grande representante do movimento modernista, entretanto, eu tenho de ser sincera, apesar de sua importância e de ser um livro até pequeno, está longe de ter uma leitura fácil. Então, eu vou fazer o resumo e analisar Macunaíma para que você possa entender a razão de Macunaíma ser tão festejado.
Mario de Andrade, um dos mentores da Semana de 22 e um dos principais artistas do movimento Modernista, disse que escreveu Macunaíma em poucas horas, pois já estava gestando o livro em sua cabeça há muito tempo. Além disso, Macunaíma foi inspirada em uma obra chamada Do Roraima ao Orenoco do etnógrafo alemão Koch-Grumberg. Segundo o etnólogo, o nome do herói tribal parece conter como parte essencial a palavra MAKU que significa mau e o sufixo IMA que significa grande. Assim Macunaíma significaria o grande mau, o que Grumberg acreditava combinar perfeitamente com o caráter funesto do herói. Claro que, apesar de ter se inspirado na obra de Grumberg, Mario de Andrade vai fazer muitas mudanças para compor o seu próprio Macunaíma.
Mario escreveu: “O que me interessou por Macunaíma foi incontestavelmente a preocupação em que vivo de trabalhar e descobrir o mais que possa a identidade nacional dos brasileiros.” E ele continua: "o brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional...quando matutava essas coisas topei com Macunaíma no alemão Koch-Grumberg. E Macunaíma é um herói surpreendentemente sem caráter.” Então, é caráter no sentido de não ter uma identidade própria que guie os seus caminhos e que o leva a fazer coisas erradas porque ainda é, praticamente, uma criança.
Vamos começar pelo título: Macunaíma o herói sem nenhum caráter. O escritor parece que já está dando um spoiler. O personagem principal, o índio Macunaíma, não tinha caráter, então já imaginamos que não vamos encontrar um herói, mas logo na primeira linha o escritor diz: "No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite." E aí já começa a confusão. Se ele era indígena, como era preto retinto? E se ele não tinha caráter, como podia ser um herói da nossa gente?
Essa é uma marca do livro: a contradição e não ter compromisso nenhum com a realidade. O próprio Mario escreveu uma carta a Manuel Bandeira em que dizia, "é justo nisso que está a lógica de Macunaíma: em não ter lógica.”
Desta maneira, desde o começo, já percebemos que Mario de Andrade não está preocupado em seguir uma história clássica. Lembremos que o escritor era um defensor do modernismo que permitia que seus artistas experimentassem várias ideias, várias formas de narrativa, além de trazer as nossas raízes, que se tornou um compromisso que os modernistas assumiram. Macunaíma é de 1928, seis anos após a semana de 22 e do mesmo ano do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade.
Ao longo do livro, nós vamos perceber que Macunaíma vai sofrer várias metamorfoses então ele era menino, de repente era jovem, era preto, era branco, era de todas as cores que formam o povo brasileiro. Essas transformações permitem que praticamente tudo aconteça na história. E, apesar de ter sempre uma enorme preguiça, o personagem também podia ser um herói. Essa era a bandeira do modernismo que pretendia abarcar tudo. Uma característica física importante de Macunaíma era que ele tinha uma cabeça pequena em um corpo grande e, claro, há aqui um simbolismo, pois é como se ele ainda fosse imaturo, ainda estivesse absorvendo tudo, ainda estivesse aprendendo, exatamente como o povo brasileiro, muito jovem em comparação com o europeu.
Voltando à história, Macunaíma vivia à margem do rio Uraricoera, em uma tribo da Amazônia e, desde criança, era muito safado e já se interessava por sexo. Ele tinha dois irmãos mais velhos chamados Maanape e Jiguê que vão acompanhá-lo em suas aventuras, depois que a mãe deles morre. Nas andanças pela mata, eles encontram Ci, Mãe do Mato, rainha das Icamiabas. Macunaíma obriga Ci a fazer sexo com ele, o que a transforma em sua mulher, tonando-se assim Macunaíma, o imperador do Mato Virgem.
Eles têm um filho, mas a criança morre logo que nasce se transformando em estrela. Depois é Ci que morre, mas, antes de morrer, ela dá a Macunaíma um amuleto chamado muiraquitã, um tipo de pedra verde. Entretanto, Macunaíma perde o amuleto que vai parar nas mãos de Venceslau Pietro Pietra, um mascate peruano, conhecido também como o gigante Piaimã, comedor de gente. Como esse gigante mora em São Paulo é para lá que os irmãos vão para recuperar a muiraquitã, dando uma grande reviravolta na história. Afinal, eram três índios chegando em uma cidade grande, onde eles não conheciam nada.
Macunaíma tem um plano de se vestir de francesa para seduzir o gigante, mas o plano não funciona e o nosso herói foge para o Rio de Janeiro. No Rio, ele encontra Vei, a deusa do Sol e Macunaíma promete se casar com uma das filhas de Vei, mas ele acaba se envolvendo com uma portuguesa, o que deixa Vei muito brava.
Enfim, depois de muitas tentativas, ele consegue finalmente recuperar o amuleto e volta para sua tribo. Mas Vei resolve se vingar e manda uma forte onda de calor que faz com que a sensualidade de Macunaíma que já era grande, fique maior ainda. Ele vai para os braços de uma uiara traiçoeira e perde de novo a muiraquitã. Cansado de tudo, ele vai para o céu e lá sé transforma na Constelação da Ursa Maior.
Por que eu disse no início que era um livro difícil de ler? Porque a impressão que se tem é que Mario pretendeu misturar tudo o que ele conhecia sobre lendas, sobre as características do povo brasileiro, nossas curiosidades, o que faz a história ser um pouco "nonsense", não ter mesmo lógica como ele disse a Manuel Bandeira. Ele afirma várias coisas, nem sempre verdadeiras, como, por exemplo, diz que foi Macunaíma que inventou o futebol.
Entretanto, o escritor usa de inúmeros simbolismos. Tem uma passagem em que os três irmãos chegam a uma cova de água, em que a água era encantada. Macunaíma entra primeiro e a água lava-o, transformando-o em um branco de olhos azuis, seu irmão Jiguê entra logo depois, mas a água já não está muito limpa e sua pele fica da cor do bronze. Quando o último irmão Maanape entra na cova, não há mais praticamente água nenhuma que tinha sido espirrada pra fora pelos outros e, por isso, ele só conseguiu lavar a palma das mãos e dos pés e continua preto. Então os três irmãos vão representar o branco, o indígena e o negro que formam o povo brasileiro.
O que é necessário saber é que o livro não tem uma ordem cronológica e nem uma ordem espacial muito claras. Uma hora, Macunaíma está na mata, outra em São Paulo, outra no Rio, como se "teletransportasse". Mario de Andrade faz uso de inúmeras lendas e usa uma linguagem que se pretende nacional com muitos termos indígenas e provérbios de várias regiões do país. Mas ele também faz crítica à nossa maneira de ler e escrever, principalmente à paulista, quando Macunaíma está em São Paulo. Em um determinado momento, sendo bastante irônico ele diz: “Ora sabereis que a sua riqueza de expressão intelectual é tão prodigiosa, que falam numa língua e escrevem noutra.” E é exatamente isso que nós fazemos, e que realmente não tem muito sentido. Deveríamos escrever como falamos ou vice-versa.
Macunaíma é um livro modernista que usa o surrealismo. Em 1928, o movimento Antropófago pregava misturar todas as culturas estrangeiras à nossa, fazendo uma grande "salada", que nós brasileiros deveríamos comer, mas sempre valorizando a cultura nacional. O romance Macunaíma é o grande representante desse movimento Antropófago.
Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=ogZ3reEjl2A
FICHA TÉCNICA
Título Original – Macunaíma: o herói sem nenhum caráter
Edição Original – 1928
Edição utilizada nessa resenha: 2001
Editora: Livraria Garnier
Páginas: 176