Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
MARÍLIA DE DIRCEU
O livro Marília de Dirceu é uma obra do arcadismo, movimento literário que a maioria das pessoas não compreende muito bem. Então eu vou explicar o arcadismo, explicar a importância do autor e claro, também a obra e seu contexto literário e social. E, ao final, ainda vou marcar com você os principais pontos da obra.
Então vamos começar pelo arcadismo, que vem da palavra Árcade. Árcade era o morador da Arcádia, uma região da Grécia. E era uma região que tinha muitos pastores que gostavam de música e de poesia. Assim, algumas sociedades literárias que surgiram nos séculos XVII e XVIII se inspiraram nesses pastores e diziam que as suas sociedades literárias eram arcádias, pois eles criavam textos justamente com temas bucólicos, da vida no campo. Pensavam na arte como cópia da natureza, buscando a simplicidade, a clareza e a figura de uma musa inspiradora.
Aqui no Brasil, o arcadismo não teve grande penetração. É o movimento literário que vem depois do barroco e antes do romantismo, no século XVIII, mas tem poucos representantes, um pouco no Rio de Janeiro, mas a maioria em Minas Gerais. Por isso que seus principais nomes como Tomás Antônio Gonzaga, Claudio Manoel da Costa e Basílio da Gama eram habitantes das Minas Gerais.
Muita gente pensa que o poeta Tomás Antônio Gonzaga era brasileiro, mas ele nasceu na cidade do Porto e era filho de mãe portuguesa e pai brasileiro por isso que ele passou grande parte da vida aqui no Brasil. Mesmo depois de ter feito Direito em Coimbra, Gonzaga retorna ao Brasil para trabalhar e acaba sendo nomeado para o cargo de ouvidor-geral de Minas Gerais. Guarde isso. Em pleno final século XVIII, a vida o colocou em Minas Gerais, exatamente onde nasceria o movimento que queria a libertação de Portugal que foi a Inconfidência Mineira.
O escritor não teve uma grande produção literária, e Marília de Dirceu é sua obra mais importante. Mas ele escreveu uma outra obra, do gênero epistolar, ou seja, através de cartas, chamada Cartas Chilenas, que durante bastante tempo não se sabia quem era o autor, pois tinha sido escrita com um pseudônimo. E nessa obra, que é uma sátira, o escritor retrata Vila Rica, nome antigo de Ouro Preto, mas como se fosse a cidade de Santiago no Chile. Foi escrita com um pseudônimo, em virtude da censura, porque mostrava todos os problemas que Vila Rica enfrentava com a colonização portuguesa, como cobrança de altos impostos, injustiças e corrupção.
Já Marília de Dirceu é uma obra autobiográfica e isso você não pode esquecer, mesmo que os protagonistas, Dirceu e Marília, sejam pastores de ovelhas. O escritor é o próprio Dirceu e Marília é uma jovem por quem ele estava apaixonado e iria se casar antes de ser preso, chamada Maria Dorotéia. Gonzaga foi preso em virtude de sua participação no movimento da Inconfidência Mineira e foi exilado para Moçambique e nunca mais retornou ao Brasil.
Marília de Dirceu é um livro de poemas. Os poemas não têm nome, mas são chamados de Lira e cada Lira é numerada. E o que é lira? Lira é um instrumento musical. E por que os poemas são chamados de lira? Lembra que eu falei no início que na região da Arcádia na Grécia, eles gostavam de poesia e música, pois bem, os antigos poetas gregos quando recitavam um poema eles eram acompanhados de música executada pela lira. Com o tempo, os poemas musicados passaram a ser chamados de lira também. Na obra Marília de Dirceu, ao chamar seus poemas de lira, o autor está invocando a origem do arcadismo e acreditando que seus poemas eram melódicos, ou seja, tinham um ritmo. Uma obra lírica é sempre uma obra poética.
O livro é dividido em três partes, sendo que cada parte foi publicada separadamente e em épocas diferentes. Na primeira que tem 33 liras é feita a apresentação da musa Marília e o deslumbramento que ela causa em Dirceu. Imagina-se que ele tenha escrito esta parte ainda quando morava em Minas porque, além do retrato da amada, ele também fala de como se sentia quando a via. E foi a primeira parte também a ser publicada, em 1792.
A segunda parte que tem 38 liras mostra o amor correspondido e o relacionamento dos dois. Há a clara intenção do matrimônio, mas também é lembrada a grande diferença de idade dos dois e também a diferença de riqueza, porque Marília é rica e Gonzaga, apesar de ser um magistrado, não tem dinheiro. Além disso, a maioria dos poemas dessa parte mostra o desencanto de Dirceu por estar escrevendo preso, separado de sua musa. Essa parte só foi publicada sete anos após a primeira, em 1799.
E, por fim, a terceira e última parte é um pouco mais curta com 9 liras e 13 sonetos e os poemas têm por tema a separação dos amantes pela força. Acredita-se que essa parte tenha sido escrita já em Moçambique, no exílio do escritor. Essa parte também foi muito festejada pelos leitores da época porque mostra um Dirceu corajoso, que seguiu o ideal de libertar sua pátria adotiva, o que o levou a condenação e ao desterro. A publicação da terceira parte se deu em um intervalo ainda maior, somente em 1812.
O fato de ter ficado conhecido por ter sacrificado o amor pela liberdade da pátria, mesmo que Tomás Antônio Gonzaga tenha alegado em sua defesa que não participou da Inconfidência Mineira, fizeram o sucesso do livro, já naquela época.
Quanto à linguagem, ela é bastante simples. O tempo todo Dirceu está conversando diretamente com Marilia, sua amada, e é uma linguagem descritiva, por exemplo, quando ele vai descrever fisicamente Marilia:
“Os seus compridos cabelos,
Que sobre as costas ondeiam
São que os de Apolo mais belos
Mas de loura cor não são
Tem a cor de negra noite;
E com o brando do roso
Fazem, Marília, um composto
Da mais formosa união”
E o poeta continua falando da testa, dos olhos, dos dentes, enfim, do rosto para ele perfeito. Em outra lira, diz que a natureza a fez linda, mas ela só será imortalizada por causa dos versos do pastor. Você vai ler na última lira dessa parte que até um poeta chamado Glauceste cantou a beleza de Marília. E quem é Glauceste? Glauceste é o apelido de Claudio Manoel da Costa. O também escritor era amigo de Tomás Antônio Gonzaga, apesar de haver suspeitas de que, quando ambos foram presos, Claudio Manoel da Costa tenha traído os outros inconfidentes e depois se suicidado.
Apesar de toda essa descrição, o retrato da Marília de Dirceu pode variar um pouco de poema para poema e isso é interessante porque dá um caráter mais genérico, como se a amada tivesse muitas formas, dependendo do estado de espírito de Dirceu.
Na segunda parte, o poeta já está preso e ele começa a primeira lira dessa parte, já mostrando seu estado de espírito desanimado:
"Já não cinjo de loiro a minha testa
Nem sonoras canções o deus me inspira
Ah, que nem me resta
Uma já quebrada
Mal sonora lira."
Ele está dizendo que a lira está quebrada, mas continua apaixonado. Em outro verso diz:
"Nesta cruel masmorra tenebrosa
Ainda vendo estou teus olhos belos,
A testa formosa
Os dentes nevados
Os negros cabelos."
Quase ao final ele diz que chora sobre as cartas de Marília.
Obviamente, a terceira parte é marcada pela saudade. Um bom exemplo que mostra a saudade que ele, morando em Moçambique, tem de sua amada é esse trecho:
“Quando me deito no colmo
Sempre sonho que te vejo
Que te falo, e que te beijo
A branca, nevada mão.
Acorda, pastora, e foges:
Eu fico mais triste, então.”
Em todos os poemas ou liras, é o eu lírico que fala. E que é o eu lírico? É sempre o narrador do poema. O narrador pode ser o próprio poeta ou um personagem criado por ele. Nesse caso, o eu lírico é Dirceu, o pastor de ovelha, o personagem criado por Tomás Antônio Gonzaga. Um exemplo está nos versos:
"Eu, Marilia, não fui nenhum vaqueiro
Fui honrado pastor da tua aldeia.”
Entretanto, esse narrador que é autobiográfico, às vezes se trai e se coloca em um poema. Por isso que vemos em alguns versos Dirceu como o juiz e não mais como pastor.
“verás em cima da espaçosa mesa
Altos volumes de enredados feitos
Ver-me-ás folhear os grandes livros,
E decidir pleitos."
Mas, seja como pastor ou como juiz, Dirceu, sempre frisa que tem um status superior o que minimizaria a diferença de idade e de fortuna para Marília. Outro elemento importante é que os poemas, apesar de terem uma linguagem simples, como eu já disse, os versos têm métrica e rima, ou seja, no arcadismo há uma tentativa de se voltar à poesia clássica, por isso que dizemos que a poesia do arcadismo é neoclássica. Neo significa novo. Um novo classicismo.
Resumindo:
Marília de Dirceu é uma obra autobiográfica, do arcadismo, movimento literário que tem as características de vida simples, de preferência no campo, linguagem simples, mas todos os poemas com métrica e rima, o que lhes dá o tom melódico próprio das liras e também a classifica como neoclássica.
Fala do amor real entre Tomás Antônio Gonzaga, o personagem Dirceu, e Maria Dorotéia, a personagem Marília. Um amor que foi interrompido pela prisão e desterro do poeta por ter participado da Inconfidência Mineira.
Uma curiosidade é que, apesar de ter ficado com fama de vítima, Tomas AntÔnio Gonzaga refez a vida em Moçambique. Assumiu um importante cargo administrativo no governo e se casou com a filha de um rico mercador de escravos.
Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=t9-T6-wF2y4
FICHA TÉCNICA
Título Original – Marília de Dirceu
Edição Original – 1792
Edição utilizada nessa resenha: 2012
Editora - Martin Claret
Páginas: 224