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         MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

          Memórias Póstumas de Brás Cubas não é um dos livros mais importantes da literatura brasileira à toa. Então, antes de mais nada, é preciso colocar o preconceito de lado só porque é um livro antigo, escrito no final do século XIX, e entender o valor da obra.

           Vamos começar pelo título. Atualmente póstumo não tem h, mas a palavra naquela época era escrita com th. E o que significa posthumo? Post significa o que vem depois e humo é a parte de cima da terra, mesma raiz do verbo humare que quer dizer enterrar. Então póstumo significa depois da terra, enterrado ou depois de morto. Então se são memórias póstumas são memórias de alguém que já morreu e esse alguém chama-se Brás Cubas.

          O que seria mais comum? Já que Brás Cubas havia morrido alguém que estivesse vivo para contar a sua história e aí seria uma biografia ou um romance como qualquer outro. Mas não. São memórias, ou seja, as lembranças do morto e são contadas por ele mesmo. Imaginem essa novidade, lá no final do século XIX, um romance que trazia um morto contando a história da sua vida. Foi uma revolução na literatura. Mas aquela não era apenas uma época de mudanças na literatura havia muitas mudanças sociais, políticas e econômicas acontecendo porque a literatura não é despregada da realidade social. Então, se a sociedade estava mudando, a literatura seguia acompanhando essas mudanças.

          Na sociedade:

- O movimento pela abolição da escravidão;

- A proclamação da república;

- O avanço da ciência, da urbanização e a evolução industrial.

 

         Na literatura:

- Oposição ao idealismo romântico que pintava tudo de cor de rosa e a busca por uma representação mais fiel da realidade. Memórias Póstumas é um livro realista.
- Romance como meio de combate e crítica às instituições sociais decadentes.
- Influência dos métodos experimentais.
- Narrativa minuciosa (com muitos detalhes).
- Personagens analisadas psicologicamente.

 

        Como o livro foi escrito aos pedaços na Revista Brasileira, em 1880, os capítulos são curtos. O que dá uma interessante dinâmica ao livro. Além disso, há capítulos que trazem inovações como o capítulo LV em que há um diálogo imaginário entre dois personagens, mas não há uma única palavra, apenas o nome dos personagens, pontos e pontos de interrogação.

        Memórias Póstumas, creio que também é o livro em que é possível perceber muitas características de Machado cronista. Ele escreve o romance de forma muito parecida com as crônicas, principalmente, quando ele conversa com o leitor, explica os fatos para o leitor, manda que o leitor releia algum capítulo para reavivar a memória, dá instruções, chama o leitor de obtuso, o que era uma constante em suas crônicas.

          Quanto à história, ela começa com o narrador, o Brás Cubas, morto. E como morto ele diz que não tinha mais nenhuma amarra. Ele podia falar o que bem entendesse e ser o mais sincero porque não iria sofrer nenhuma consequência. Assim, a inovação não estava apenas na estrutura da história, mas também pelas rabugices que esse narrador demonstra e não faz a menor questão de esconder. Um bom exemplo começa pela dedicatória: AO VERME QUE PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES DO MEU CADÁVER DEDICO COMO SAUDOSA LEMBRANÇA ESTAS MEMÓRIAS POSTHUMAS. O livro é todo narrado em 1ª pessoa.

      “...expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios.”

          Brás Cubas ressalta que ele não é um autor defunto, ou seja, alguém que sempre escreveu, um escritor que morreu, mas, ao contrário, ele era um defunto autor, ou seja, depois da morte é que ele resolveu escrever.

          É um narrador que com frequência interrompe a narrativa para filosofar sobre algo, ou então para acrescentar um pensamento filosófico, como por exemplo, “toda a sabedoria humana não vale um par de calças curtas.” E também para falar da maneira como ele escreve, ou seja, para discutir ou explicar ao leitor sobre a sua narrativa.

       E ele vai contar suas memórias desde criança, mostrando que foi um menino bastante mimado e como seu pai esperava que ele alcançasse grandes glórias, principalmente, na política. E não era só o pai. Brás Cubas diz logo no início do livro que ele tinha amor da glória. Ele esperava realmente alcançar a glória e, em virtude dessa aspiração, vai fazer várias coisas ao longo da vida para tentar obtê-la. Ele tinha uma irmã chamada Sabina, mas, naquela época, as mulheres eram apenas esposas e mães, assim toda a esperança do pai de Brás Cubas recaía sobre ele.

          Depois da infância mimada, ele se tornou um jovem também mimado, não muito chegado ao trabalho, já que sua família era abastada e ele não precisava trabalhar. E é nessa fase de juventude que ele encontra seu primeiro amor, uma prostituta chamada Marcella. Ele quer ficar com Marcella a qualquer custo, mas Marcella quer apenas extorquir a maior quantidade de dinheiro possível do rapaz ingênuo. O pai quando descobre o quanto Brás Cubas estava gastando em joias e presentes para a prostituta, faz com que ele embarque à força para a Europa para estudar direito. Ele sofre um pouco, mas logo esquece Marcella.

          Depois de terminar a faculdade em Coimbra, o rapaz estava aproveitando a vida na Europa, quando sua mãe fica doente e ele retorna ao Rio de Janeiro. A mãe morre e  Brás Cubas, que é sempre um pouco dramático, vai se refugiar na chácara da família para sofrer a morte da mãe. Ali, ele conhece a segunda mulher da sua vida chamada Eugenia, filha de Euzébia, uma senhora amiga de sua família. Ele se interessa pela moça, chega a lhe dar uns beijos, mas então descobre que ela é manca e se desencanta. Volta para a cidade para cumprir os planos do pai.

          O pai arruma-lhe um casamento com a filha de um político que fará de Brás Cubas um deputado. A moça chama-se Virgilia e quando ele a conhece, ele a descreve sem aumentar a beleza “porque isto não é romance em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas.” Quando ele diz isso, ele está fazendo uma crítica ao romantismo que dourava a realidade para torná-la mais bonita, mais agradável. Memórias Póstumas é um romance realista e Machado ressalta esse aspecto quando comenta sobre sua narrativa.

          Tudo parece caminhar bem com Virgilia, quando aparece um outro rapaz chamado Lobo Neves e Virgilia prefere se casar com ele. Machado não escolheu esse nome aleatoriamente. Lobo não é um nome comum para uma pessoa. Lobo é o animal que, normalmente, leva vantagem quando briga por uma presa. Então Brás Cubas perde, ao mesmo tempo, a noiva e a promessa de se tornar deputado.

          Com a notícia, o pai de Brás Cubas fica tão desapontado que morre. Alguns anos depois, Virgilia já tem um filho e reencontra Brás Cubas. Ele passa a frequentar a casa de Virgilia com Lobo Neves e, em pouco tempo, Brás Cubas e Virgilia começam a ter um caso. O romance entre os amantes vai ficando mais intenso.  Brás Cubas quer que Virgilia largue o marido, mas ela se recusa, pois, claramente, não deseja o escândalo de uma separação. Então eles alugam uma casa para se encontrar durante as tardes. Virgilia coloca Dona Plácida, uma velha empregada de sua família para morar e tomar conta da casa para que ninguém desconfie. Entretanto, como o romance dos dois dura muito tempo, todo mundo comenta. Parece que a cidade inteira sabe da história, até o Lobo Neves que parece apenas fingir que não sabe.  

          Enquanto isso, Brás Cubas encontra um velho colega de escola, o Quincas Borba. Quincas está morando na rua, virou um mendigo e nesse encontro rouba o relógio de bolso do Brás Cubas. Tempos depois, ele manda uma carta de desculpa e um relógio parecido e pede que o Brás Cubas o receba. Na verdade, Quincas Borba recebeu uma herança e agora está novamente bem de vida. Os dois voltam a ser amigos, mas Quincas é um personagem bem exótico. Ele cria uma filosofia ou um método chamado Humanitismo que é um pouco como reconhecer como legítima a lei do mais forte, do mais rico ou do mais esperto e concluir que essa vantagem é normal. Aceitar que até a guerra é uma forma de seleção natural. É um sistema que quer resolver todos os problemas da sociedade, apenas aceitando que todos os males são necessários para a satisfação de alguém. Muitos críticos afirmam que o humanitismo de Machado era uma sátira ao positivismo.

          Por fim, Brás Cubas e Virgilia acabam rompendo a relação quando Lobo Neves é nomeado presidente de uma província e ela se muda do Rio de Janeiro junto com o marido. A irmã de Cubas, Sabina, então lhe arruma uma noiva, a Nhan-Loló. Ele já tem uma certa idade e resolve que vai ser bom se casar. Tudo parece se encaminhar bem quando Nhan-Loló pega a febre amarela e morre.

          Depois disso, ele se torna deputado, mas não avança na carreira política e perde o mandato. Tenta editar um jornal de oposição que também não dá certo. Sempre buscando a glória, resolve inventar um emplasto para curar a hipocondria. Hipocondria tem dois sentidos, um é de uma grande melancolia ou a mania de doença. Tanto em um sentido ou outro, é uma imensa ironia, pois um emplasto para curar, seja a melancolia, seja a mania de doença, parece mais como um remédio para alimentá-la.

     Brás Cubas está fazendo experiências com esse emplasto quando pega uma pneumonia e morre, sem se casar ou alcançar qualquer glória. O final do livro é um bom resumo da trajetória de Brás Cubas:

          "Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de D. Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."

          É possível até discutirmos se esse final não é um pouco autoral, já que Machado de Assis também não teve filhos e, em 1880, já tinha 41 anos. Mas, o que mais chama a atenção é que ele diz “nossa” miséria e não minha, ou seja, ele alarga o conceito de miséria para toda a sociedade.

          Memórias Póstumas é um livro para se reler inúmeras vezes. Quanto mais se lê a obra de Machado, mais se entende e mais se gosta.

Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=Nn3ok7x1V5A

FICHA TÉCNICA

Título Original – Memórias Posthumas de Braz Cubas

Edição Original – 1880

Edição utilizada nessa resenha – 1950 – Machado de Assis Obras Completas v. 5

Jackson Editores – Rio de Janeiro

Número de páginas – 414

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