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O ATENEU

           O Ateneu, apesar de ser um livro fininho, está longe de ser de fácil leitura. Por quê? Porque a linguagem utilizada pelo escritor Raul Pompeia é bem empolada, além disso, por tratar de temas espinhosos em pleno século XIX, ele não podia falar livremente, então o tempo todo será uma linguagem que tenta dizer sem dizer, um dizer escondido, principalmente, em relação à homossexualidade.

          Era comum no século XIX, os colégios serem chamados de Ateneu porque ateneu era o nome de lugares dedicados ao ensino e à cultura. E de onde vem essa palavra? Da Grécia Antiga, pois o lugar onde os poetas e os literatos iam ler suas obras era um lugar dedicado à Deusa Palas Atena, conhecida como a deusa da sabedoria e também protetora da cidade de Atenas.

         Então o título do livro O Ateneu é bastante simbólico porque foi usado de forma genérica, sugerindo que poderia estar se referindo a qualquer colégio como se o que acontecesse no colégio do livro também poderia estar acontecendo em outros colégios. Além disso, também poderia ser uma crítica velada, como se em um lugar dedicado ao conhecimento, à sabedoria, a história vem nos mostrar que nem sempre isso era o principal.

         Além do título, há um subtítulo: Crônica de Saudades que vou comentar no final para que você possa entender melhor.

           Vamos à história. Ela é narrada em primeira pessoa pelo personagem principal, mas, por se tratar de memórias, há praticamente dois narradores. O Sergio garoto que está ali vivendo aqueles fatos e o Sergio adulto, que aparece bem menos e tem um certo distanciamento dos fatos que, para ele, ficaram no passado.

         A história começa com o garoto Sergio na porta do colégio, sendo deixado por seu pai que lhe diz: “Vais encontrar o mundo. Coragem para a luta.”  Sergio tinha 11 anos e pela primeira vez ficaria longe de sua família em um colégio interno. E Sergio diz que no futuro ele se valeu bem desse conselho de seu pai que lhe pedia coragem.

         Sergio, naquela época, tinha uma visão do Ateneu que era de grandeza, justamente por ser o grande colégio da época, onde estudava os filhos da rica burguesia, e porque quando era menor havia estado em uma festa da educação física e havia ficado impressionado com os exercícios e os uniformes dos alunos. E ele disse que havia guardado na imaginação infantil essa boa imagem do Ateneu e de seu diretor, o Dr. Aristarco Argolo de Ramos. 

         Na hora da matrícula de Sergio, o Aristarco lhe determinou que ele deveria ir a um cabeleireiro e cortar os seus cachinhos, e nesse momento, Sergio já sentiu a crítica e a censura. E, para completar, o diretor ainda disse para o pai de Sergio: “os meninos bonitos não provam bem no meu colégio”. O que é uma frase estranha, mas a gente fica sem entender direito o que Aristarco quis dizer, porque bem nessa hora entra na sala D. Ema, esposa do diretor, e pede licença para defender os meninos bonitos.

          No primeiro dia de aula, quando Sergio e seu pai chegaram, Aristarco fez com eles uma visita pelo colégio para mostrar o estabelecimento. Durante toda a visita só falava do trabalho insano que era educar e frisa que no Ateneu, a imoralidade não existe.

          Ainda no primeiro dia, Sergio é chamado à lousa, mas fica tão nervoso que desmaia, o que lhe deixa muito envergonhado. Sergio é indicado a dois alunos mais experientes, uma espécie de monitores, um é o Rebelo, com que ele se simpatiza e o outro, o Sanches, que ele acha meio pegajoso. Rebelo lhe abre os olhos dizendo que muitos meninos são perversos, imorais e diz a Sergio que ele deve fugir deles e, por fim, lhe dá um último conselho: “Faça-se forte aqui, faça-se homem. Os fracos perdem-se e comece por não admitir protetores.”

        À noite, para completar, um aluno chamado Barbalho o provoca varias vezes e eles acabam brigando. Depois, em sua cama, fazendo a retrospectiva daquele primeiro dia, Sergio está muito desapontado, assustado e se pergunta para onde iriam seus ideais naquele mundo de brutalidades.

         Desalentado, acovardado, nos dias seguintes, mesmo contra o conselho do Rebelo, ele desejava alguém que o protegesse. E se aproxima de Sanches que o ajuda com os estudos, mas também começa a se sentar cada vez mais perto, passa-lhe o braço ao pescoço até que um dia em um passeio noturno lhe faz uma pergunta que nós leitores não ficamos sabendo exatamente qual é, mas Sergio diz que Sanches se apresenta como uma espécie rara de pretendente, o que o fez rir e deixar o Sanches frio. Mas, com o passar dos dias, novamente Sanches volta à carga até que um dia eles estavam sozinhos e ele disse alguma coisa bem pertinho do rosto de Sergio e novamente nós leitores ficamos sem saber o que foi dito. Imaginamos o que seja por que Sergio diz “Só a voz, o simples som covarde da voz, rastejante, colante, como se fosse cada sílaba uma lesma, horripilou-me, feito o contato de um suplício imundo. Fingi não ter ouvido”  e aí ele dá uma desculpa que tem de buscar um lenço e foge.

        Sergio então se afasta de Sanches, mas já sabendo que a escola está longe do ideal de trabalho e fraternidade que ele imaginava. Sentindo que tinha de se penitenciar pelo relacionamento com o antigo colega, Sergio se consola na religião, frequentando a capela do Ateneu. Ele também se aproxima do aluno chamado Franco, que era um tipo muito tímido que, frequentemente, era objeto de chacota dos colegas. Franco, em um dia que foi ainda mais maltratado pelos outros meninos, resolve se vingar jogando cacos de vidros na piscina do colégio para que os colegas se machuquem. Sergio acompanha Franco na vingança, mas depois se arrepende. Graças ao destino, a piscina é esvaziada, ninguém se fere, mas Sergio resolve se afastar de Franco também.

            Ainda se penitenciando através da religião, ele se aproxima de outro colega, o Barreto que havia frequentado um seminário rigoroso e se tornara um beato, e que o narrador diz que ele “descrevia o inferno como se tivesse visto.” O narrador Sergio afirma: “Iniciara-me Sanches no Mal, Barreto instruiu-me na Punição.” O que faz com que Sergio comece a achar a religião insuportável e se afasta dela também.

         Nessa época, acontece um crime no colégio. Um jardineiro do Ateneu mata um criado da casa do Aristarco, pois os dois tinham brigado pela empregada chamada Angela. O jardineiro tenta fugir com a faca na mão, mas um aluno forte pula sobre ele e lhe rende. Esse aluno era o Bento Alves.

          Nessa mesma época, havia sido criado o Grêmio Literário Amor ao Saber que Sergio passa a participar, principalmente por causa da biblioteca e acaba por se aproximar de Bento Alves que tinha sido eleito bibliotecário. Os dois tornam-se muito amigos. Eu vou reproduzir um trecho para que você consiga compreender: “Estimei-o femininamente, porque era grande, forte, bravo; porque me podia valer, porque me respeitava, quase tímido...” e depois completa. “Aquela timidez, em vez de alertar, enternecia-me, a mim que aliás devia estar prevenido contra escaldos de água fria." Então é muito claro que eles se tornam bastante próximos, Bento Alves chega a dar flores a Sergio, mas a gente não consegue afirmar que haja alguma conotação sexual entre os dois, justamente pelo que eu disse logo no início: o autor Raul Pompéia nunca diz claramente, provavelmente com receio da repercussão que as passagens mais eróticas entre dois meninos pudessem ter naquela sociedade do século XIX

          Um dia, em uma armação do Barbalho, Bento Alves se mete numa briga com o Malheiro imaginando que estava protegendo Sergio, e acaba preso. Depois disso, Bento Alves se distancia de Sergio, o que deixa o garoto ainda mais solitário e se sentindo em um cárcere. E é com esse espírito que ele diz conhecer pela primeira vez a amizade ao se aproximar de Egbert.

          Ele descrevia Egberto como formoso que tinha cabelos castanhos entremeados de louro e olhos azuis. Sergio esperava que ele dormisse para ficar admirando-o. Ele diz sobre Egbert: “Eu por mim positivamente adorava-o e o julgava perfeito” Eles ficavam bastante sozinhos e Sergio costumava descansar a cabeça em seus joelhos ou ao contrário. Os dois são convidados um dia para jantar na casa do diretor do Ateneu, o Aristarco, e nesse dia pela primeira vez, Sergio fica deslumbrado com Dona Ema. Ele não repara em mais nada a não ser naquela mulher. Quando eles voltam para o Ateneu, ele sentia-se grande, como se estivesse a se fazer homem por dilatação... e ao final completa “olhava agora para Egbert como para uma recordação e para o dia de ontem. Daí começou a esfriar o entusiasmo de nossa fraternidade.” Então esse é o momento em que ele descobre seu interesse pelo sexo oposto e, junto com ele, o seu desinteresse por amigos do mesmo sexo.

          Um fato marcante é que o aluno Franco é posto de castigo na prisão do colégio e como já tinha saúde frágil, havia ficado tão adoentado que mesmo depois de retirado da prisão vem a falecer. O Ateneu não parece sentir muito a sua morte e, pouco depois, já estava em festa, a festividade para entrega dos prêmios de final do ano letivo com a presença até da princesa e a inauguração do busto de Aristarco.

          Vieram as férias, mas Sergio não foi para casa porque ficou doente e sua família estava viajando. Então ele é tratado na casa do diretor Aristarco e por sua mulher Dona Ema, o que agrada muito ao rapaz, que se apaixona platonicamente pela mulher. Em um dia de sua convalescença, ele ouve um grito de fogo e, em pouco tempo, o Ateneu é completamente destruído. Ficam sabendo que tinha sido um aluno novo, o Américo, que havia posto fogo propositalmente e fugido. Nessa mesma noite, desaparecera também D. Ema, a mulher de Aristarco sem qualquer explicação. Aqui cabe lembrar que Ema não é um nome qualquer. Ema Bovary é a personagem central de Madame Bovary de Flaubert, uma mulher que traía seu marido. Ao fazer desaparecer sem explicação, essa personagem de mesmo nome, o escritor pode estar nos dando uma pista do que aconteceu.

           O narrador termina a história dizendo "Aqui suspendo a crônica das saudades." E logo depois se pergunta: "Saudades verdadeiramente?" Ele diz que são puras recordações e que o tempo é o funeral para sempre das horas. Desta forma, aqui está a explicação do subtítulo que eu mencionei lá no início. É, na verdade, uma ironia do autor, pois não há qualquer saudade do personagem narrador ao seus tempos de Ateneu. É simplesmente a narração dos fatos, a crônica de um tempo que não volta.

           Agora vamos aos pontos principais:

         É importante perceber que a intenção do autor é nos mostrar como o internato pode ser um microcosmo da sociedade. Como todos os tipos humanos que existem na sociedade, também são encontrados no Ateneu e também as mais diversas relações como entre fortes e fracos, aqueles que precisam de protetores, os que se deixam subjugar, aqueles que agridem, etc... O narrador diz: “Não é o internato que faz a sociedade; o internato a reflete”.

         Outro ponto é notar como uma educação repressiva pode machucar uma personalidade sensível como a de Sergio e de tantas outras crianças, e como a escola constantemente é lembrada como uma prisão. Também mostra que muitas vezes o aluno que merece mais atenção do diretor não é aquele que tem melhores notas, mas aquele de família rica e que um menino, mesmo que seja um excelente aluno, se o pagamento do colégio estiver em atraso, não terá reconhecimento.

          O final do livro ser marcado pelo incêndio é de um grande simbolismo como se o Ateneu, ou a sociedade precisasse ser completamente destruída, pois não haveria como consertá-la.

          Muitos estudiosos de Raul Pompéia concordam que a obra é, em muitos aspectos autobiográfica, já que o escritor também estudou interno no Colégio Abílio no Rio de Janeiro. O romance, que foi lançado em 1888, em capítulos de jornal, está inserido no movimento do realismo-naturalismo, caracteriza-se pelo aprofundamento psicológico e foi considerado revolucionário por tratar de assuntos delicados, principalmente, em uma sociedade tão conservadora quanto a do século XIX.

             Raul Pompeia se formou em direito e trabalhou como jornalista. Foi romancista, poeta, cronista, lutou pela abolição e pela proclamação da República, contra a monarquia. O escritor, que desconfia-se sofria de depressão e havia se metido em algumas polêmicas políticas que o aborreceram, se suicidou no dia de natal, 25 de dezembro de 1895, com apenas 32 anos.

Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=ThqT8he7qIw

FICHA TÉCNICA

Título Original –  O Ateneu

Edição Original – 1888

Edição utilizada nessa resenha: 1981

Editora Abril - São Paulo

Páginas: 205

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