
Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
O ESTRANGEIRO

Em literatura, o mais fácil é contar uma história com começo, meio e fim. Isso é o que aprendemos na escola, mas a grande literatura não segue essa lógica. Por outras vezes, até segue uma ordem cronológica, mas há um fato ou situação, um personagem ou uma narrativa que é tão criativa, tão não convencional que é exatamente isso que faz o sucesso de um romance. É o pulo do gato que todo escritor busca.
O Estrangeiro, de Albert Camus, à primeira vista, parece um livro simples, uma história banal. Um homem francês, chamado Meursault, nascido na Argelia, quando esse país era dominado pela França, se vê envolvido em dois fatos. A morte de sua mãe que abre o livro e, logo em seguida, um assassinato. São esses dois fatos que servem exatamente para o escritor discutir um personagem que, como Camus mesmo disse, não segue as regras do jogo. Qual jogo? A vida. Camus em seus livros sempre quer mostrar o absurdo da condição humana em tantas situações diferentes.
Meursault, o personagem principal, é um trabalhador de escritório aparentemente comum, mas, à medida que os fatos vão acontecendo, parece completamente desprovido de emoção. Mas isso é proposital. É preciso entender o contexto em que o livro foi escrito e lançado. Era o ano de 1942. No meio da segunda grande guerra. Os nazistas já haviam matado milhões de pessoas. A morte e a desesperança rondavam o mundo todo. As pessoas estavam desesperançadas e a morte se vulgarizava.
O personagem Meursault é fruto dessa época. Foi construído exatamente como o escritor pretendia. Nós chegamos a ter raiva de Meursault. Ele parece que quer nos provocar para que saiamos da apatia. O título também tem um duplo significado. Meursault era o estrangeiro porque se considerava francês na Argélia. E também era estrangeiro no sentido de que era diferente do resto das pessoas. Um estranho no ninho. Além disso, o nome do personagem Meursault contém os dois verbos em francês: Morrer e Salvar, como se a aproximação com a morte lhe revelasse sua vontade de viver feliz no absurdo.
É um personagem muito diferente em relação a tantos que nós conhecemos em literatura e, na minha opinião, foi muitíssimo bem construído e fez o mérito do livro. Além disso, a narrativa é feita de frases curtas, justapostas, como se o escritor não permitisse que o personagem fizesse digressões, ou tivesse alguma profundidade psicológica e o mostrasse ao leitor como um estranho, alheio a tudo, com o qual não criamos intimidade.
O escritor Albert Camus, como seu personagem também nasceu na Argélia, e foi escritor, dramaturgo, jornalista um defensor da ética que atuou junto com a resistência francesa quando a França foi invadida pelos nazistas na segunda grande guerra. Ele era um homem de ação e em seus livros, quando ele mostra o absurdo da condição humana, ele quer não apenas que pensemos, mas ele acreditava que depois da reflexão, da conscientização, o ser humano tinha de agir.
Nascido em uma família muito pobre, foi ajudado por professores para não ter de parar de estudar. Fez, inclusive, mestrado e doutorado. Ele não aceitava nenhuma ideologia, mas acreditava no humanismo, em trabalhar para o desenvolvimento do ser humano e de sua felicidade. Tuberculoso, não conseguia jogar futebol, um esporte que adorava. Quando esteve no Brasil, ficou surpreso com uma população em que tanta gente sabia jogar.
Ele recebeu o Nobel de literatura em 1957 e morreu, em um acidente de carro, três anos depois, em 1960. Ironicamente, costumava dizer que nada é mais escandaloso do que a morte de uma criança e nada era mais absurdo do que morrer de um acidente de carro. No dia em que morreu, ele iria para Paris de trem, já tinha até comprado as passagens, mas seu editor, que também morreu no acidente, insistiu para que fossem de carro.
O Estrangeiro é sua principal obra, e fazia parte do que Camus chamava do Ciclo do Absurdo. Ele deixou outros livros que também merecem ser lidos para que se possa entender melhor o pensamento de Camus.
Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=ARJv2YBtngM
FICHA TÉCNICA
Título Original – L'Etranger
Edição Original – 1957
Edição utilizada nessa resenha: 1995
Editora Record/Altaya
Páginas: 122