Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
O INFERNO É AQUI
Está calor. Muito calor.
Meu computador estufou, sei lá como, e estou vendo a hora em que vai começar a sair fumaça.
Se não for do computador, com certeza vai sair fumaça do meu cérebro que com esse calor, só quer ser deixado em paz, mas eu insisto em ligá-lo na velocidade máxima para ver se ele pega no tranco. Nem assim. Meu cérebro está mole como tudo à minha volta.
Explico a ele, pacientemente, que hoje é terça-feira, dia de crônica, e ele sorri mais mole ainda. Tento convencê-lo, quase colocando-o dentro do ventilador, como uma forma de agradá-lo. Mas já percebi que nem com todo agrado do mundo, ele vai colaborar.
Meu cérebro só deseja ficar quieto, à sombra. Lamenta profundamente não ser a boca para degustar um sorvete e me xinga por tê-lo colocado tão pra cima em minha cabeça. Tento explicar que não tenho nada a ver com isso. Que reclamações corporais devem ser enviadas para o Chefe no andar de cima, mas ele olha para o andar de cima, vê o Sol laranja estralando de tão quente e desiste. Ainda bem! Não sei qual é o humor do Grande Chefe com esse calor todo.
Abro mão de criar qualquer crônica mais inteligente. O calor deixa a gente burra. Nem ler eu consigo. Tudo me incomoda. Minhas costas grudam no sofá, o livro pesa e a boca vive seca, pedindo um refresco e interrompendo minha concentração a cada parágrafo. Agora já sei por que na Finlândia eles leem tanto. Leitura e estudo precisam de frio.
Tento pensar em mar, piscina, ar-condicionado, mas a única coisa que me vem à mente é o inferno. De tanto pensar, de repente e para meu completo espanto, cheguei lá embaixo. O fogo chamusca meus pés e os ajudantes do diabo riem do meu desespero. Vou pulando enormes fogueiras com medo de cair enquanto capetas e capetinhas gargalham. Nem Dante aparece para me ajudar. Tento explicar que sou uma pessoa boa e que aquilo é um engano, deveria ter ido pra cima e não pra baixo. Mais risadas.
Está cada vez mais quente, percebo que suo em bicas e que vou acabar caindo naquele fogo profundo, onde o tinhoso com certeza me aguarda. De repente, um escorregão e... acordo com o cheiro de queimado do computador. Nem ele aguentou.
SP 21/11/2023