Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
O LOBO DA ESTEPE
O Lobo da Estepe do escritor alemão Hermann Hesse, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1946, é um livro muito diferente. Não sei se diferente é a palavra correta, mas ele é extremamente complexo
Mas antes vamos conhecer um pouco de Hermann Hesse. Eu sempre digo que uma crítica literária tem de analisar também a biografia do autor. No caso de Hesse, isso ainda é mais verdadeiro, porque muitos dos seus romances possuem claramente passagens autobiográficas.
O escritor nasceu em uma família muito religiosa. Seus pais eram missionários protestantes e pregavam o cristianismo na Índia. Dentro do protestantismo há uma corrente muito severa, que segue a bíblia ao pé da letra, são ultraconservadores e contra tudo que é novo, intransigentes, chamada pietismo. Pois bem, os pais de Hesse eram pietistas.
Seus pais queriam que Hermann fosse pastor e ele até entrou para o seminário, mas apesar de ser um bom aluno, percebeu logo que não tinha a menor vocação para pastor e passou, inclusive, a não acreditar mais no cristianismo. Obviamente, a família ultrareligiosa não recebeu nada bem esse fato e a convivência foi ficando cada vez mais difícil. Um dia, ele foge do seminário e é encontrado vagando um pouco transtornado.
Por causa de suas ideias, Hermann Hesse era tido como um adolescente difícil, chega a ser internado e há indícios que ele tenha tentado, inclusive, se suicidar. O seu irmão mais novo, Hans, se suicidou.
Essas experiências de vida, junto a essa família tão rigorosa e também em uma escola mais castradora, principalmente naquela época, vão marcar a vida e a obra de Hermann Hesse para sempre.
O fato é que ele já sabia aos vinte e poucos anos que queria ser escritor. Então, ele deixa a família e se muda para a Suíça que ele já conhecia, pois quando criança tinha morado naquele país, acabando por se naturalizar suíço.
O Lobo da Estepe é a história de um homem de meia idade, atormentado com a sua própria vida e que pretende se suicidar. Entenderam por que eu disse que não dá pra falar do livro sem falar da vida do escritor? Inclusive, o personagem principal chama-se Harry Haller, ou seja, tem as iniciais HH, exatamente como Hermann Hesse.
O livro é dividido em três partes. A primeira parte é um prefácio escrito pelo sobrinho da dona da casa onde Harry Haller alugava um quarto. No prefácio, ele diz que o próprio Harry se autodenominava lobo da estepe. Claro que essa expressão já nos conta muita coisa. A idade do lobo é normalmente a idade do homem de meia idade como Harry.
O sobrinho da dona da pensão dizia que o Lobo da Estepe era o nome mais apropriado para definir aquele homem, tímido, isolado, inquieto, de natureza selvagem em busca de um lar. E que ele andava em seu quarto como um lobo em sua jaula. Por fim, conta que quando Harry Haller foi embora da pensão, deixou com ele suas anotações para que ele fizesse o que bem entendesse com elas. E que então ele resolveu publicá-las.
A segunda parte do livro são as anotações de Harry Haller que vem com um aviso “Só para loucos”. Escrita em primeira pessoa, o personagem-narrador Harry tenta se definir. Ele diz: “Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível.” E esse homem tão amargurado está desiludido se perguntando se "o que chamamos espírito seria simplesmente um fantasma? Considerado vivo apenas por meia dúzia de loucos como nós?"
Por fim, a terceira e última parte está dentro das anotações e trata-se de um livreto que um homem estranho de um teatro mágico havia lhe dado. Chamava-se Tratado do Lobo da Estepe - Somente para os Raros, mas estranhamento, depois quando o livreto começa, a palavra raros desaparece e novamente está escrito só para os loucos.
O tratado é a maior parte do livro e tem um início bem pesado, no qual a ideia do suicídio está muito presente. Na minha opinião, é a parte mais difícil do livro, mas eu peço que você não desista da leitura porque depois que o Lobo da Estepe conhece a jovem Hermínia, é como se fosse outra história. Apesar de não ter a cultura de Harry Haller, ela quer ensiná-lo a ser leve, a levar a vida de forma mais leve. Essa parte e até o final chega a ser surpreendente e muito, muito boa.
Tem um trecho em que Herminia diz para Harry Haller: “a vida não é nenhum poema épico, com rasgos de heróis e coisas parecidas, mas um salão burguês, no qual se vive inteiramente feliz com a comida e a bebida, o café e o tricô, o jogo de cartas e a música de rádio. E quem aspira outra coisa e traz em si o heroico e o belo, a veneração pelos grandes poetas ou a veneração pelos santos, não passa de um louco ou de um Quixote.”
Então a história é a luta desse homem brigando com o lobo e o anjo que tem dentro de si, entre o sublime e o terreno e aprendendo a lidar com essas contradições.
Obviamente, Hermann Hesse não ganhou o Nobel de Literatura à toa, e O Lobo da Estepe é uma de suas obras mais importantes, de leitura imprescindível.
Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=-flSLyXSAjc
FICHA TÉCNICA
Título Original – Der Steppenwolf
Edição Original – 1955
Edição utilizada nessa resenha: 1995
Editora Record - RJ
Páginas: 224