Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
O LUGAR
A escritora Annie Ernaux é a primeira mulher francesa a ganhar um prêmio Nobel de Literatura, mas não é uma escritora muito conhecida no Brasil e até em muitos outros países. Por isso, sua escolha surpreendeu um pouco. Ela não fazia parte daquele grupo de escritores que todos os anos estão entre os mais cotados.
Na minha opinião, ela recebe o prêmio justamente por fazer uma narrativa bastante diferente. A academia costuma premiar iniciativas originais. E que tipo de narrativa Annie Ernaux emprega? É o que podemos chamar de autoficção, ou seja, ela vai utilizar pedaços de sua vida, como uma autobiografia e vai entremeá-la de ficção, a ponto de nós, leitores, não sabermos ao certo quais fatos foram realidade ou o que é ficção. É sempre uma narrativa muito pessoal, em primeira pessoa. Ela não se esconde atrás de um personagem. O tempo todo é a própria Annie que está vivenciando a história narrada.
Como uma autobiografia tem uma ordem cronológica, eu indico que você comece a ler a obra da escritora pelo livro que se chama O LUGAR. É justamente o livro que nos conta de que lugar Annie se origina. Entretanto, esse não é o seu primeiro livro. Ela estreou com o livro Les Armoires Vides, ou Os Armários Vazios, em 1974, também autobiográfico, que ainda não foi lançado no Brasil.
O Lugar como muitos livros da autora são, surpreendentemente, bem pequenos. O Lugar, por exemplo, tem pouco mais de sessenta páginas e nós não estamos acostumados a livros tão pequenos. Nesse livro, a narrativa começa com Annie indo fazer a prova para tirar seu certificado de professora. Não podemos esquecer que Ernaux vai exercer a profissão de professora de literatura por mais de 30 anos.
Ela situa esse acontecimento para imediatamente relacionar com outro que aconteceu apenas dois meses depois, que foi a morte de seu pai, aos 67 anos. Seus pais moravam em uma cidade pequena, onde ela tinha nascido, e que ela não nomeia, talvez em uma tentativa de preservar alguma privacidade. Ela viaja com o filho para ajudar a mãe no enterro. E, no verão, enquanto espera seu primeiro cargo de professora ela pensa que um dia teria de explicar todas essas coisas, ou seja, teria de escrever sobre seu pai, mas também e, principalmente, sobre a distancia de classe.
E aí está, na minha opinião, o maior valor da obra de Ernaux porque ela extrapola a sua autobiografia ao relacionar a origem de seus pais e a sua própria origem às relações sociais que permeiam essas vidas, estabelecendo o contexto, o meio social. Ela está nos dizendo que o lugar de origem de seus pais, bem como de sua infância e adolescência foi determinante para o desenvolvimento de suas histórias. Mas, mais do que isso, ela analisa esse contexto e o seu impacto em suas vidas. É a chamada autosociobiografia.
Ao examinar a vida do pai, uma pessoa muito simples de pouca instrução, ela também está lançando seu olhar à França rural dos anos 20 do século passado. E como a pobreza e o medo da pobreza podem ser tão determinantes para as escolhas de vida das pessoas.
A única crítica que eu faço é que talvez ela pudesse ter aprofundado um pouco mais, tanto as questões sociais como esse período autobiográfico que ela relata. A impressão que nos dá, quando o livro acaba, é que foi tudo muito rápido.
Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=wzDEImuGXm8
FICHA TÉCNICA
Título Original – La Place
Edição Original - 1983
Edição utilizada nessa resenha: 2022
Editora - Fósforo
Páginas: 72