Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
O MUNDO SE DESPEDAÇA
O livro O mundo se despedaça é o primeiro romance do escritor nigeriano Chinua Achebe, lançado em 1958. Faz parte de uma trilogia composta por A Paz dura pouco lançado dois anos depois, em 1960, e a Flecha de Deus em 1964. Chinua Achebe, cujo primeiro nome era Albert, renunciou ao seu nome de origem inglesa para adotar seu nome africano Chinualumogu, abreviado para Chinua. O escritor cresceu entre os Igbos, entretanto, seu pai era evangélico e sua mãe corria as aldeias ajudando a evangelizar.
Essas informações são importantes para entendermos a riqueza de detalhes dos romances de Chinua em relação aos costumes africanos, pois em O Mundo se despedaça, Achebe retrata justamente a cultura do povo Igbo, no sudoeste da Nigéria, em um local chamado Umuófia, e como eles são afetados pela colonização branca, a colonização britânica.
Chinua Achebe é considerado o pai da nova literatura nigeriana e consegue retratar os dois lados, o do colonizador e do colonizado, tendo sido ele mesmo um escritor africano que escrevia em inglês.
A história é construída através do personagem Okonkwo, um bravo guerreiro que teve de se reinventar, já que seu pai, Unoka, era um fraco e preguiçoso, o quê, em uma tribo como a de Okonkwo, era um motivo de grande vergonha. Okonkwo cresceu com essa vergonha, tentando fazer tudo diferente do pai para poder ter respeito na tribo. Assim, se tornou um importante guerreiro, derrotando um outro guerreiro muito prestigiado chamado O Gato e trabalhando arduamente na plantação de inhames para poder ter sua própria terra e manter suas esposas e filhos.
Um dos costumes africanos na tribo de Okonkwo era a poligamia e quanto mais mulheres e filhos um homem pudesse manter, mas respeitado ele era. Outro costume era obedecer às diversas divindades, inclusive, com sacrifícios humanos, se isso fosse ordenado pelos deuses. Não se questionava uma ordem divina.
A construção do personagem principal feita por Chinua é uma das coisas que mais chama a atenção no romance porque ela é muito bem feita. Okonkwo, apesar de triunfar e se tornar um dos homens de mais respeito de sua aldeia, não consegue superar o medo de ser fraco como o pai e, por isso mesmo, se torna mais duro e mais intransigente com os outros do que o normal. Nós, leitores, conseguimos pensar com a cabeça de Okonkwo e entender o motivo de suas ações, mesmo que sejam muito diferentes da nossa cultura ocidental. E, quando isso acontece, significa que o escritor fez um excelente trabalho de escrita.
Um trecho do livro que eu considero síntese é “Com um pai como Unoka, Okonkwo não teve o empurrão inicial na vida que muitos jovens têm. Não herdou celeiro, nem título, nem sequer uma jovem esposa. Mas, apesar dessas desvantagens, começara, ainda em vida do pai, a estabelecer as fundações de um futuro próspero. Fora um processo lento e penoso. Okonkwo, porém, se atirara a ele como um possesso. E, na verdade, estava possuído pelo medo da vida desprezível de seu pai e de sua vergonhosa morte.”
Depois de conhecer a trajetória de Okonkwo com suas vitórias pessoais e suas desgraças, o grande fato do romance é a chegada do homem branco através da religião cristã, se impondo devagar de forma quase pacífica, o que faz com que os igbos não se oponham, pelo contrário, achem até graça na cultura do homem branco que só tem um Deus, e que se estabelecem na Floresta Maldita, local considerado perigoso para os locais. No início, eles não veem o inglês como uma ameaça, porém, quando percebem, o homem branco traz também sua escola, sua guarda e sua justiça, concluindo o processo de dominação.
Creio que justamente por ter sido uma construção de personagem e de cenário tão bem feitas que o final do livro surpreende. A impressão que se tem é que a história termina de forma muito abrupta. Não há uma preparação que leve do clímax ao desfecho final. Entretanto, o livro prende a atenção do começo ao fim e é a porta de entrada da literatura nigeriana.
Na verdade, vários mundos se despedaçam no romance.
Vídeo resenha: https://www.youtube.com/watch?v=JvWUwa4MC2A
FICHA TÉCNICA
Título Original – Things fall apart
Edição Original – 1958
Edição utilizada nessa resenha – 2009
Editora Companhia das Letras – São Paulo
Número de páginas - 236