Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
O TELEFONEMA
O telefone tocou. Olhei o número e não o reconheci. Lembrei de todas as chamadas que recebo diariamente de telemarketing e fiquei com uma preguiça enorme de atender. Por outro lado, poderia ser importante, alguém trazendo uma novidade ou uma proposta irrecusável. Enquanto um telefone toca, é impressionante em quanta coisa se pode pensar.
Atendi.
Do outro lado da linha...ops... não existe mais linha. Do outro lado do quê? Sei lá. Do outro telefone, um homem pergunta por mim. Sabe o meu nome, o que já me deixa mais contente. Não é um total desconhecido.
Confirmo que sim, sou eu. E então ele se identifica. É um palhaço. Palhaço de verdade. Garante que fez até curso de palhaço no exterior. Conta que assistiu minhas peças, leu meus livros, acompanha minhas crônicas e até segue o meu canal. Quanto mais ele fala, mais eu emudeço. Fico surpresa. É muita informação que me pega desprevenida, enquanto eu só consigo me perguntar o que um palhaço poderia querer comigo? Adoro circo, mas palhaçada nunca foi minha atração preferida.
Depois de fazer um longo inventário da minha produção, que deu para perceber que ele conhece bem, completa dizendo que conseguiu meu número com um cunhado de um amigo, de um antigo aluno meu, ou seja, não dá para verificar naquele instante se é verdade ou uma mentira muito enrolada. Quando ele finalmente faz uma pausa, consigo perguntar:
- E em que eu posso lhe ajudar, Otaviano? Sim. O palhaço se chamava Otaviano.
Ele quer um texto. Um monólogo criado especialmente para ele. Cerca de 50 minutos, ele explica. Algo que ele possa rodar o Brasil, que alcance vários públicos, de idades e condição sociais diferentes.
Missão bem fácil!! Sorrio! Ele é mesmo um palhaço!
Não sei bem o que responder. Adoro um desafio, mas uma coisa de que eu tenho certeza é que fazer humor não é minha praia. Nem divertida eu sou! Pelo contrário. De vez em quando, me acho muito mal-humorada! Ele diz que estou enganada. Que ele dá muita risada com os meus textos.
Não sei se agradeço ou fico ofendida. Ele explica que não quer piadas, quer só uma estória que seja divertida.
Só?? Esse palhaço é bom mesmo!
Penso, repenso, penso mais um pouco. Lá vamos nós!
Não deveria mesmo ter atendido esse telefone.
São Paulo, 06/04/2021