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O VERMELHO E O NEGRO

          Qual é a importância de O Vermelho e o Negro de Stendhal? A importância é enorme para uma das literaturas mais influentes do mundo, que é a literatura francesa.

         Começo contando que Stendhal não é o nome verdadeiro, mas o pseudônimo do escritor francês Marie-Henry Beyle. Mas você não precisa se preocupar com o nome real porque todo mundo só se refere a ele pelo seu pseudônimo.

        Stendhal era uma figura muito diferente e, recentemente, ele deu até o nome a uma síndrome bastante estranha. Quando o escritor foi viajar para a Itália, ele esteve em Firenze e ficou impressionado com a enorme quantidade de obras de arte e começou a passar mal. Essa síndrome que parece acometer algumas pessoas mais sensíveis, frente a muitas obras de arte ao mesmo tempo, ficou conhecida como a Síndrome de Stendhal.

          O Vermelho e o Negro, romance com quase 500 páginas pode ser encontrado também em dois volumes, e é a obra mais importante do escritor. Se formos observar, ele foi lançado em 1830, pleno romantismo na França, mas não é um romance romântico. Não tem nem o sentimentalismo e nem a grandiloquência que são características presentes nas obras românticas. Então, e isso é bastante difícil em literatura, é um romance fora do seu contexto literário porque o comum é um escritor escrever como todos do seu tempo escrevem.

          O contexto social era o que chamamos em história de período da restauração na França. O que foi esse período de restauração? Napoleão havia sido derrotado em 1814 e a monarquia antiga foi então restabelecida. Por isso que se chama período da restauração. Em virtude da volta da monarquia, obviamente, naquele momento, não se podia admirar Napoleão, só que a monarquia que havia trazido também o clero de volta ao poder, também não ia bem. Tanto que em julho de 1830, mesmo ano em que o romance foi lançado, houve a revolução popular contra o rei Carlos X, que fez com que ele abdicasse, mas, apesar da sua saída, a monarquia ainda continuou na França.

       Então não era um período qualquer em que Stendhal escreve, era um período conturbado, de mudanças profundas, em que o povo francês ainda tentava entender a quem seguir. O romance tem inclusive, um subtítulo, que é Crônica de 1830. Claro que não é a crônica no sentido que utilizamos aqui no Brasil, mas no sentido de relato verdadeiro.

          Além disso, na epígrafe, ele usa uma frase que ele atribui a Danton: A verdade, a dura verdade. Entretanto, muitos críticos asseguram que Danton nunca a pronunciou. Isso não tem tanta importância porque a intenção de Stendhal é clara. “Meu livro, declarou Stendhal com orgulho, não é gracioso: é imediato, direto, duro.” Por todas essas pistas é que entendemos que, apesar do romantismo ser o movimento literário predominante na França naquele momento, Stendhal estava, na verdade, inaugurando o realismo. Assim, mesmo por meio de uma história com personagens e fatos inventados, ele estava tentando chegar a uma verdade histórica.

          O personagem principal de O Vermelho e o Negro, Julien Sorel, um jovem camponês que tinha grandes ambições, traz essas contradições. Ele era um admirador de Napoleão, mas ocultava isso para não ser perseguido. Mais inteligente que seus irmãos e seu pai, que era um marceneiro obtuso do interior da França, ele era repudiado pela família porque gostava de ler e não gostava do trabalho duro na marcenaria.

          Graças às aulas de latim que tomava com o vigário da cidade e de sua facilidade em decorar grandes trechos da bíblia em latim, as pessoas simplórias de sua cidade, chamada Verrières, imaginaram que ele era muito culto e, por isso, ele se tornou preceptor dos filhos do prefeito.

        Ao se tornar preceptor e ir morar na casa do prefeito, a vida de Julien se altera completamente. Ele era um rapaz pobre com muitos problemas de insegurança tendo contato com o mundo dos ricos que ele desprezava. A partir daí, tudo que Julien faz, inclusive sua paixão por duas mulheres ricas, é para atender uma necessidade íntima em provar para si próprio que ele não era uma pessoa comum, e que ele valia mais do que os nobres com quem convivia, tanto em sua pequena cidade como, mais tarde, em Paris.

         Obviamente, vivendo dessa maneira, assim como seu herói, Napoleão, também o protagonista Julien Sorel experimentará a derrota. É um personagem que travará inúmeras batalhas internas entre se entregar à paixão e ao lado bom da vida, ou manter uma postura crítica ao mundo dos ricos que o cerca, batalha essa que reproduz também nas batalhas do realismo com o romantismo que reinava absoluto naquela época. E também nas batalhas entre aqueles que apoiavam e os que não apoiavam a monarquia.

       Todas essas contradições estão presentes no título que alguns críticos dizem que simboliza o conflito da escolha de Julien entre o exército ou o clero. O que eu não acredito muito porque nessa época o clero até podia ser simbolizado pelo negro que era a cor do hábito que os padres usavam, mas o exército francês usava azul e não vermelho.

          Stendhal em algumas partes do livro se utiliza da pontuação de uma forma singular que nem os todos os tradutores entenderam e, por isso, em algumas línguas essas pontuações foram alteradas, imaginando erradamente o tradutor que havia um erro de digitação. Porém, o propósito de Stendhal ao utilizar uma pontuação quebrada, fragmentada, era justamente desorientar o leitor, mostrando que sua história tinha um ritmo febril com mudanças inesperadas.

         Desta forma, apesar do grande nome do realismo francês ser Flaubert, a quem é atribuído o início do realismo com o lançamento de Madame Bovary,  em 1953, na verdade, quem realmente faz essa introdução na literatura foi O Vermelho e o Negro de Sthendal, quase vinte anos antes, mas que talvez por trazer ainda alguns resquício do romantismo não leva esse mérito. Esse é o grande valor desse livro. E quem escreve ou é um leitor contumaz, fica impressionado na capacidade de retratar a alma tão confusa de um personagem ambicioso e ambíguo como faz o autor com o seu Julien Sorel.

Vídeo-resenha:  https://www.youtube.com/watch?v=XBuhss7Cq6c&t

FICHA TÉCNICA

Título Original: Le Rouge et Le Noir

Edição Original: 1830

Edição utilizada nessa resenha: 1979
Editora Abril S.A. – São Paulo
Número de Páginas: 492

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