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OS IRMÃOS KARAMÁZOV

          Os escritores russos, os bons escritores russos da fase dourada da literatura russa, não são fáceis, porque são bastante densos, mas isso não quer dizer que lê-los seja uma missão impossível. Não estou aqui para desanimar ninguém, muito pelo contrário. A minha intenção é ajudá-lo ou ajudá-la, tanto com a leitura como com a compreensão de livros importantes, como Os Irmãos Karamázov, de Dostoiévski.

          Vamos começar relembrando quem é Dostoiévski para ficar mais fácil entender sua obra.

Fiódor Dostoiévski  nasceu em Moscou, no começo do século XIX, 1821, e não teve uma vida tranquila. Seu pai era muito autoritário e Dostoiévski sofreu um bocado em suas mãos. Depois que sua mãe morreu, ele foi mandado pelo pai para uma escola militar de engenharia que ele detestava. Como ficava muito sozinho, começou a ler bastante, principalmente, obras de Victor Hugo, Shakespeare, Dickens e Balzac.

          Quando seu pai é assassinado por camponeses, Dostoiévski, que ainda era um adolescente, fica com a impressão de ter tido culpa na morte do pai, em virtude das inúmeras brigas que os dois tiveram. E é nesse momento que ele começa a escrever.  O assassinato do pai vai marcar profundamente a vida e a obra do escritor russo.

          Há um romance chamado O Adolescente que Dostoiévski escreveu, justamente retratando as emoções dessa época em sua vida.

       Quando termina os estudos em engenharia, o jovem vai trabalhar em São Petersburgo, em uma repartição pública. Mas abandona a repartição para escrever Pobre Gente, que teve uma boa recepção de um crítico literário chamado Bielínski, o que fez com que Dostoiévski ficasse famoso. Só que essa fama dura pouco.

          Aqui precisamos contextualizar qual era o momento histórico da Rússia. A Rússia era um grande império governado pelos czares. Mas havia uma parte da população que queria derrubar os czares porque o povo russo passava muitas dificuldades, enquanto os czares viviam na opulência.

          Dostoiévksy acaba entrando para a militância política e foi envolvido na conspiração que pretendia assassinar o czar russo Nicolau I. Preso, Dostoiévski foi condenado à morte e só no último segundo, quando já estava para ser fuzilado, é que chegou a anistia do Czar. Foi então levado preso para trabalhos forçados na Sibéria, onde passou 4 anos Depois, ainda prestou serviço militar obrigatório e, por se sentir muito sozinho na Siberia, se casou. Uma curiosidade: Dostoiévski teve uma violenta crise de epilepsia, justamente em sua noite de núpcias.

       Esse período negro da vida do escritor está retratado no livro Memórias da Casa dos Mortos.

      Em 1859, quando foi anistiado, voltou a morar em São Petersburgo, dedicando-se definitivamente à literatura e ao jornalismo. Só que o público não se lembrava mais dele. Cheio de dívidas e para não ser preso, foge para o exterior. Na volta à Russia, escreve suas principais obras como O idiota, Crime e Castigo e Os Irmãos Karamázov.

          Dostoiévski, como escritor, vai usar todas essas experiências e o profundo conhecimento que ele tem de seu país, a Rússia, desde a Sibéria até Moscou.

          Se o escritor nasceu, escreveu e morreu durante o século XIX, obviamente sua linguagem e seus valores são próprios daquela época. Além disso, justamente pelas influências de tantas dificuldades em sua vida, ele é um autor que explora profundamente o lado psicológico de seus personagens. Então, há longas passagens em que seus personagens se encontram em dilemas existenciais e são esses dilemas que interessam a Dostoiévski abordar, muito mais do que as histórias que servem como pano de fundo.

          Os Karamázov são três irmãos e seu pai Fiódor. O filho mais velho, chamado Dimítri, era de um primeiro casamento. E os outros dois, Ivã e Alieksiéi, do segundo casamento.

       O próprio nome da família, Karamázovi que é o plural de Karamazov, é um nome composto já que Kara significa castigo e o verbo mázat, sujar. Simbolicamente seria aquele que provoca a própria punição. Ou seja, um nome que prevê um fim triste para uma família.

          No prefácio, o narrador avisa que vai contar a história de Alieksiéi, o filho mais novo, e que ele chama carinhosamente de “meu herói”. Mas explica que, mesmo tendo lhe chamado de meu herói, pode ser que só seja herói aos olhos dele, narrador, e talvez o leitor depois que tiver lido o romance discorde dele e não ache que Alieksiéi tenha sido notável. Esse narrador lembra muito o narrador dos romances de Machado de Assis. É aquele tipo de narrador que está sempre conversando com o leitor, e não apenas no prefácio, mas no livro todo.

         Também no prefácio, ele explica que a obra é dividida em dois romances: uma parte que se passa no passado, há 13 anos, e a outra no presente. Os Irmãos Karamázov de 600 páginas seria o primeiro romance, só que Dostoievski morreu e não escreveu o segundo, o que não prejudicou em nada a narrativa porque podemos ler como se fosse um único livro.

           Vamos à história. A mãe do Dimítri, primeira esposa de Fiódor, era de família rica e sabe-se lá por que, acabou se casando com um pobretão chucro como Fiódor. O fato é que por causa desse casamento e do dote da esposa, ele melhorou muito de vida.

       Fiódor era um bufão, ignorante, que se fazia de palhaço para os outros e que gostava mesmo era de festa e mulheres e, por isso, vivia bêbado. Aliás, é curioso que Dostoiévsky tenha dado seu próprio primeiro nome a um personagem com esse perfil. Vemos aí um pouco da ironia do autor.

          Com um marido desses, obviamente o casamento não deu certo e a esposa fugiu com um seminarista deixando o pequeno Dimítri, mais conhecido por Mítia, com apenas três anos. E como o pai não estava nem um pouco preocupado com o filho, quem acabou cuidado do pequeno Dimítri foi Gregório, um empregado fiel da casa.

          Já a segunda mulher não levou dote, mas era muito bonita. Entretanto, era tão maltratada por Fiódor que acabou ficando doente e morrendo deixando dois filhos pequenos, Ivã e Aliekséi, que o pai também deu um jeito de despachar para serem criados por parentes.

          Há 13 anos, quando começa a história, os jovens têm respectivamente, vinte oito, vinte e quatro e Aliekséi, conhecido pelo apelido de Aliocha, com vinte anos. Aliocha tinha entrada para o Mosteiro, Ivã tinha se tornado um intelectual e Mítia, que não havia estudado muito, tinha servido no exército e se tornado um ser bruto, mas de bom coração. Mítia estava reclamando do pai, a herança da mãe que o pai não havia lhe dado. E essa vai ser a razão de inúmeras disputas entre pai e filho, que também vão se apaixonar pela mesma mulher, ou seja, dois elementos que permeiam nossas vidas: paixão e dinheiro.

        É preciso dirigir o seu olhar para aquilo que tornou esse livro tão importante. São três irmãos muito diferentes entre si que se criam praticamente sozinhos. O que eles buscam, como todo mundo, é paz e felicidade, algo que não tiveram ao longo da vida. E cada um vai fazer essa busca a seu modo. Dimitri pela força, Ivã pelo conhecimento e Alieksei pela espiritualidade. Então, e aí eu considero a grande genialidade desse livro, se você juntar os três irmãos, eles representam toda a humanidade e como essas três forças interagem entre si, avançam e recuam. Por outro lado, essas forças estão submetidas ao básico da vida, dinheiro e paixão.

          Há um diálogo entre Aliocha e Ivã que esse diz que a força dos Karamázov é a força extraída da baixeza. Que baixeza? A baixeza em que foram criados por aquele pai violento, ignorante, que transformava a casa em um harém e que se livrava dos filhos rapidamente, sem qualquer remorso. O tempo todo eles estão tentando escapar dessa baixeza. São as ideias Karamazovianas, como diz Ivã, que aceitam a corrupção, pervertem a alma e em que tudo é permitido. O tempo todo eles ficam divididos entre ceder ou não a essas ideias. Quem escapa um pouco é justamente Aliocha, que consegue certo equilíbrio através da espiritualidade e talvez, por isso, o narrador o considere notável. Mas há inúmeras passagens no livro em que o escritor discute a religião, discute Deus, questiona se Deus existe ou não.

         Os romances de Dostoiévsky estão preocupados em retratar todas essas ambiguidades do ser humano e também a submissão do povo russo ao poder que os oprime. Há uma frase no livro que o personagem diz:

- Eu também amo o povo, como não amar o nosso belo povo russo, tão ingênuo em sua grandeza.

       Em outro trecho, quando se pergunta quem é essa família Karamázov? Um personagem responde que ela resume certos traços da sociedade contemporânea russa em estado microscópico como uma gota de água resume o Sol. E depois acrescenta:

Somos uma natureza ampla, um Karamázov, capaz de reunir todos os contrastes e de contemplar ao mesmo tempo dois abismos, o do alto, o abismo dos sublimes ideais, e o de baixo, o abismo da mais ignóbil degradação. Somos amplos como nossa mãe, a Rússia, tudo admitimos e a tudo nos acomodamos.

          Com esse trecho, quase no final do livro, Dostoiévsky, de forma muito clara, sem deixar qualquer dúvida, faz o leitor perceber que a família Karamázov representa seu país. Então, o importante, ao ler esse livro, é perceber isso, sempre fazendo essa relação entre a família Karamázov e a Rússia, e com a própria humanidade.

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Vídeo-resenha:https://www.youtube.com/watch?v=0eLYuuvcPQ4

               

FICHA TÉCNICA

Título Original – Brátia Karamázovi

Edição Original – 1880

Edição utilizada nessa resenha – 1995

Editora  Abril – São Paulo

Número de páginas – 590

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