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PANTERA NO PORÃO

          Antes de falarmos do livro Pantera no Porão, é preciso falar de seu autor, o israelense Amós Klausner, que alterou seu nome para Amós Oz. Oz em hebraico significa coragem. É um escritor de obras sensíveis, que morreu no final de 2018, e é considerado o principal escritor israelense de todos os tempos.

          A maioria dos livros de Amós Oz se passa, principalmente, depois da segunda grande guerra, quando está se formando o estado de Israel. E, em cada um deles, o escritor foca em uma faceta diferente. Uma Certa Paz, um dos seus livros mais famosos, se passa em um Kibutz, pequenas comunidades que foram criadas para ocupar o estado e garantir sua sobrevivência, e mostra bem  como era a vida em um Kibutz. O próprio Oz viveu muitos anos em um Kibutz. Já Meu Michel, outro livro importante, se passa em Jerusalém, na década de 50, pelo olhar de Hanna, uma personagem sensível que lembra a mãe do autor, que sofria de depressão e se suicidou.

          A história de Pantera no Porão se passa em 1947, um ano antes da formação do estado israelense que se deu em 1948 e também se passa em Jerusalém, onde o escritor nasceu e viveu. Apesar de quase todos os seus livros terem referências pessoais, talvez esse, juntamente com De Amor e de Trevas, sejam os seus livros mais autobiográficos.

          Para entender o livro é preciso contextualizar o momento histórico em que a história se passa. Desde 1920, com a expulsão dos turcos havia sido formado um Mandato Britânico da Palestina, ou seja, eram os ingleses que administravam a Palestina como se fosse uma colônia, o que os árabes, que haviam ajudado a expulsar os turcos, consideraram uma traição porque obviamente a terra era deles e não fazia sentido os ingleses a ocuparem.

          Depois disso, começaram a chegar judeus do mundo inteiro para a Palestina porque os ingleses eram simpáticos à criação de um estado para os judeus.  Para se ter uma ideia, em 1922, eles eram apenas 11% da população da Palestina, mas, ao fim da segunda guerra, os judeus que haviam fugido do holocausto, já representavam 33% da população da Palestina. E é nesse momento então, que surgem dois grandes movimentos nacionalistas, de um lado os judeus e do outro os árabes e que vão dar origem a muitos conflitos.

         Os ingleses permanecem na Palestina até 1948, quando é fundado o estado de Israel, mas, infelizmente, nunca foi criado um estado Palestino, o que Amos Óz, que ajudou a fundar o movimento pacifista denominado Paz Agora, defendia.

         Em a Pantera no Porão, Amós Oz conta a história de um menino judeu de apenas 12 anos e que tinha o apelido de Profi (professor) porque estava sempre entre os livros. E o livro começa com uma frase muito simbólica da vida do escritor. Ele diz como se fosse o personagem. “Muitas vezes na vida já fui chamado de traidor. A primeira foi quando eu tinha doze anos e três meses e morava num bairro nos arredores de Jerusalém.” E, a partir daí, ele vai contar a aventura de seu personagem. Justamente por defender que a paz com os palestinos necessitava de um estado palestino, muitos judeus extremistas vão acusar o escritor de traição ao longo da vida. Entretanto, tanto para ele como para a maioria das pessoas de bom senso não tem sentido somente os judeus terem direito a uma terra que também sempre foi dos árabes.

        Oz também repetiu várias vezes que ser chamado de traidor era uma honra, pois em muitos momentos da história, pensadores, políticos, artistas foram chamados de traidores por pessoas de sua época, simplesmente porque estavam à frente de seu tempo.

       Oz conta em entrevista que o que aconteceu com o personagem Profi na história, na verdade aconteceu com ele quando criança. Apesar dos ingleses serem considerados inimigos e de constantemente ele atirar pedras nos ingleses mandando que eles voltassem para sua casa, um belo dia, ele conheceu um oficial inglês, o sargento Dunlop, que se tornou seu amigo, que era uma pessoa doce, generosa e isso lhe permitiu deixar de ser um fanático para perceber que mesmo o inimigo pode ser um amigo. Ou, como ele mesmo disse, perceber que o mundo não é apenas preto e branco.

       Foi a partir desse fato que o autor entendeu que as pessoas têm muitas dimensões e que somente os fanáticos não as possuem. Entretanto, ao se aproximar do oficial inglês ele foi acusado de traidor pelos amigos de infância.

       Amós Oz tem o tema da traição bastante presente em sua obra, principalmente, em seu último livro chamado Judas, e costumava falar bastante também do fanatismo. Além de ficção, ele escreveu inúmeros ensaios e artigos e dizia sempre que tinha duas canetas distintas, uma para a ficção e outra para suas opiniões, mas nós todos sabemos que ninguém acaba se dividindo totalmente e também a ficção é entrecortada de suas opiniões sobre os mais diversos assuntos.

         Há uma passagem no livro, que é uma clara alusão à relação entre árabes e judeus, em que o pequeno Profi pensa que há muitos mistérios no mundo e ele relaciona isso com duas crianças refugiadas que ficaram um tempo morando em sua casa que, a principio, por não falarem a língua dos meninos, a família de Profi achava que eram irmãos para descobrirem depois que não eram irmãos e sim inimigos. Eles foram levados embora para começar uma vida como pioneiros. O narrador diz "será que eram de fato irmãos que fingiam, por algum motivo serem estranhos e inimigos? Ou, pelo contrário, seriam estranhos que, às vezes, se fantasiavam de irmãos? É preciso observar e calar. Em todas as coisas existe uma sombra. Talvez até a própria sombra tenha uma sombra.” Além dessa perspectiva de olhar para o ser humano de forma multifacetada, já que assim o somos, há também na visão do escritor, que eles seriam pioneiros. Pioneiros, talvez, em um mundo de paz.

          É possível fazer um paralelo muito interessante com a história do livro e o momento atual em que fanáticos, não apenas no Brasil, mas em várias partes do mundo, acreditam que aqueles que não pensam como eles são seus inimigos. Em que não há espaço para a tolerância para entender que as pessoas são diferentes, que pensam diferente, que querem coisas diferentes e que isso não é ruim. Só demonstra a complexidade humana. Fanáticos, como dizia o escritor, querem respostas simples e buscam messias que eles acreditam que vão resolver a favor deles.

          Gosto muito do título a Pantera no Porão, porque a pantera é o pequeno Prófi com toda a energia dos seus doze anos, preso em uma casa sem outra criança, principalmente, na grande biblioteca de seu pai. Preso em uma Jerusalém que tinha toque de recolher toda noite, preso em convenções estúpidas que diziam que ele não podia ser amigo de um oficial inglês. Enfim, preso em muitos porões. E gosto muito do simbolismo de porões que são lugares escuros, tristes, onde guardamos coisas que não queremos mais, ou não lhes damos valor. Além disso, em um momento do livro ele se pergunta: quem é você dentro de todo esse universo? Ao que ele responde: uma pantera cega. Justamente por não ter todo o conhecimento daquela enorme biblioteca de seu pai.

          Uma curiosidade é que encontramos no livro muitas vezes a Inglaterra sendo chamada de Pérfida Albion. Essa expressão foi criada pelo poeta francês, Marquês de Ximenes, em 1793, já que para o poeta, a Inglaterra era o exemplo da hipocrisia, pois dizia uma coisa e fazia outra. Os celtas, muitos antes, já chamavam a ilha de Albion que vem de Albus que significa branco, justamente por seus penhascos brancos.

        É um livro fácil e gostoso de ler, o que não significa que não tenha uma complexidade a ser descoberta e, como em todas as obras do escritor, nos permite conhecer um pouco mais sobre Israel e sua cultura.

Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=NyEO6U_zcQ4&t=76s

FICHA TÉCNICA

Título Original – Panther Bamartef

Edição Original – 1994

Edição utilizada nessa resenha: 2019

Editora - Companhia das Letras

Páginas: 162

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