Miriam Bevilacqua
Literatura, Comunicação,Educação
POEMAS ESCOLHIDOS
Quase todo mundo quando ouve falar em barroco, pensa em algo rococó, cheio de nove horas e, normalmente, o período barroco, seja da literatura, da arquitetura ou das artes em geral, não costuma ser o mais apreciado. Mas não precisa ser assim.
Os Poemas Escolhidos de Gregório de Matos Guerra são especiais em muitos sentidos e não é difícil gostar deles.
Vamos começar entendendo qual o contexto em que o Barroco surge. No final do século XVI, a Igreja Católica estava preocupada com a reforma protestante que dividiu a religião cristã entre católicos e protestantes. Para reagir aos protestantes, a igreja católica começou um movimento de Contrarreforma. Então vai ser um momento de valorizar os contrastes. Um momento de oposição e conflito, já que naquela época tudo girava em torno de religião. Esse contexto vai influenciar as artes em geral e também a literatura chamada de barroca.
As principais características da literatura barroca são: o fusionismo, o cultismo e o conceptismo. O fusionismo vem da palavra fusão e era a tentativa de unir coisas diferentes para torná-las uma só, como a necessidade de viver com duas religiões cristãs que agora se apresentavam. Então, os escritores daquela época transpunham essa fusão para outros aspectos do dia a dia.
O cultismo vem de culto, mas não nos sentido de culto religioso, mas no sentido de uma pessoa que tem cultura, que é culta. Por isso o barroco usa uma linguagem rebuscada, cheia de detalhes porque isso demonstrava que a pessoa era culta, tinha conhecimento profundo da língua.
E, por fim, o conceptismo, que vem da palavra conceito, é justamente a busca pelo significado das coisas, por suas origens.
O cultismo vai determinar a forma da literatura barroca, enquanto o conceptismo vai determinar o conteúdo. Já o fusionismo vai interferir, tanto na forma quanto no conteúdo.
Agora, vamos ao livro. Nos anos mil e seiscentos, nasce Gregório de Matos Guerra, na Bahia, exatamente em 1636, ou seja, quando o Brasil ainda era uma colônia de Portugal. E, apesar de ter nascido aqui, como o país ainda não era independente, todos os nascidos no Brasil, eram considerados portugueses, ou luso-brasileiros.
Como sua família tinha posses, ele vai estudar Direito em Coimbra porque no Brasil não havia ainda faculdade de Direito. Em Portugal, ele começa a escrever versos, mas Gregório de Matos Guerra escreve três tipos de poesia bem diferentes uma da outra. Um tipo é a poesia lírica em que ele fala da beleza da mulher, do amor e que chamamos de lírica amorosa. Há também a poesia religiosa, chamada de sacra, em que é feita a exaltação de algum santo ou da virgem Maria. Por fim, seu terceiro tipo de poesia eram versos satíricos, ou seja, quando o poeta usa a sátira para fazer crítica, para ridicularizar ou criticar alguém ou algum fato.
Quando o escritor retorna ao Brasil, ele continua escrevendo e satirizando os nobres, o clero, o poder e, por causa disso, ganhou a inimizade de muita gente. Além disso, também compunha versos eróticos, quase pornográficos, o que lhe valeu o apelido de "Boca do Inferno."
Desta forma, é possível perceber que Gregório de Matos Guerra não foi um escritor qualquer. Havia certa contradição em sua personalidade que parecia, o tempo todo, desajustada entre a metrópole e a colônia, entre ordem e desordem, e que também refletirá em sua poesia, que oscilará entre uma linguagem quase grosseira para o ambiente daquela época e o divino. Entretanto, apesar de ter os dois lados, ele vai ganhar fama pela crítica apurada que vai fazer daquela sociedade colonial, escravocrata, decadente, em seus versos.
O livro Poemas Escolhidos é uma coletânea de alguns poemas do escritor. Nós não podemos esquecer que na fase do Brasil colônia não havia nada impresso aqui no país. Se algo precisasse ser impresso teria de ser em Portugal e precisaria passar pela censura portuguesa. Então, os poemas de Gregório de Matos, que jamais passariam pela censura portuguesa, eram manuscritos e distribuídos a amigos e conhecidos. Uma outra prática da época é que alguns poemas eram escritos em pano e colados na porta da igreja. Como nem todos sabiam ler, alguma pessoa lia ou declamava para os outros. Muitos desses panos foram reunidos e guardados e, por isso, conseguiram chegar até os nossos dias. Desta forma, não se pode ter muita certeza de que todos os poemas que foram atribuídos a ele, realmente foram escritos por ele.
No livro Poemas Escolhidos, você vai ter uma amostra dos dois tipos de poesia: a lírica e a satírica. Mas vai prevalecer a satírica na maior parte dos poemas.
Um exemplo da lírica é o poema A Umas Saudades, em que o poeta pede que seu coração vá em busca da amada.
Já um bom exemplo da satírica é o poema Define a sua Cidade, em que os primeiros versos dizem assim:
De dous ff se compõem
Esta cidade a meu ver
Um furtar, outro foder.
Vejam que o poeta não tem nenhum constrangimento em usar um palavrão e resume a cidade aos dois efes. E a crítica não se restringe a governo ou sociedade, mas também ao clero. Há um trecho no poema Juízo Anatômico da Bahia em que ele diz:
Com palavras dissolutas
Me concluís, na verdade,
Que as lidas todas de um Frade
São freiras, sermões e putas.
Nesse mesmo poema, ele diz que na cidade da Bahia falta verdade, honra e vergonha. Lendo esses versos fica fácil entender por que ele recebeu o apelido de Boca do Inferno.
Uma característica da literatura barroca e que Gregório de Matos vai usar bastante são as figuras de linguagem. E uma que aparece com frequência no livro é a Personificação, quando, por exemplo, ele fala da Bahia como se a Bahia fosse uma pessoa. Ou outra figura, a antítese, que é colocar contrários juntos como dia e noite, luz e escuro, alegria e tristeza e assim por diante. A antítese tem a ver com o que dissemos no início, de que o contexto era um contexto de oposição e por isso havia o fusionismo.
Quanto à forma, o escritor usa sonetos. Vamos lembrar o que é soneto? Soneto é um poema de 4 estrofes, sendo que duas estrofes têm 4 versos e duas têm 3 versos. Ele também sempre usa rima. Mas, por outro lado, sua literatura ficou famosa por usar expressões do dia a dia, uma linguagem mais informal, inclusive, com expressões nativas. Assim, ele usava essa linguagem mais popular quando seus versos eram satíricos e usava uma linguagem mais culta quando eram versos líricos ou sacros. Gregório de Matos Guerra foi um autor bem completo e de várias facetas, por isso sua obra é tão interessante.
O escritor foi degredado, ou seja, expulso do Brasil e teve de ir para Angola. Só retorna em 1694, um pouco antes de sua morte. Foi o maior poeta barroco brasileiro.
Vídeo-resenha: https://www.youtube.com/watch?v=SfAKnEJUi1M
FICHA TÉCNICA
Título Original – Poemas Escolhidos
Edição Original – Século XVII - Org. da Coletânea - Década de 70
Edição utilizada nessa resenha: 2019
Editora - Principis - Jandira/SP
Páginas: 80