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         PROCRASTINAÇÃO

         Não entendo e não gosto de procrastinação. A começar pela palavra, que já parece um palavrão, e a terminar pela cara de sonso de quem procrastina habitualmente, como se não fosse com ele.

            Tudo bem procrastinar de vez em quando, principalmente, se for algo chato a ser feito. Empurrar um pouco com a barriga e deixar para depois. Mas tudo?  O tempo todo?

            Tenho uma maldita vozinha interna que me cobra o tempo todo:

             - Você precisa fazer logo.

             - Como assim? Ainda não terminou?

             - Isso está uma bagunça. Não tem vergonha?

        E por aí vai. Por mais que eu queira silenciar ou pelo menos abaixar um pouco o volume, a tal vozinha não cede. Será que os procrastinadores de plantão vieram surdos ou com defeito de fabricação, completamente desfalcados da vozinha, ou pior, de vergonha?

          Procrastinadores não se importam. Essa é a verdade. E não há nada no mundo que os faça mudar. Olha que eu tenho tentado bem, e por décadas, sem qualquer sucesso! Já experimentei de tudo.

            No início, achei que o procrastinador não fazia porque esperava que alguém fizesse por ele, assim, se eu não fizesse, ele acabaria fazendo. Ledo engano. O procrastinador não faz e não se importa se ninguém fizer. Assim, as consequências também me atingiam.

           Depois, compreendi que o procrastinador só entende uma língua, a da ameaça. Ele só se mexe se há uma ameaça pendente sobre sua cabeça, praticamente, um facão muito afiado, pronto a degolá-lo.

         De tanto cobrar procrastinadores pela vida afora, e sutilmente ameaçá-los com o tal facão, me tornei uma chata de galocha. (Nunca entendi onde a galocha entra nessa história!) Tenho certeza que detestam minhas cobranças e ainda acham que eu sou uma louca com recalques de imperatriz. Não passa pela cabeça de nenhum procrastinador, pelo menos daqueles com quem já convivi, que a vida torna-se um inferno quando tudo não anda no tempo certo, porque o mundo gira e as consequências vêm a galope. (ou melhor seria, a jato?)

           O que mais me irrita é que, normalmente, o procrastinador é um ser charmoso que abre um sorriso largo quando você está prestes a matá-lo. Ele sorri. Promete que vai fazer logo. Eu percebo que ele não vai levantar a bunda da cadeira.  E lá vou eu fazer o que ele deixou para depois.

                                São Paulo, 20/10/2020

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