Miriam Bevilacqua

         Um dia, em uma entrevista de emprego, a entrevistadora me perguntou se eu mentia. Meio atrapalhada com uma pergunta tão direta e tão inesperada, afirmei, claro, que não. Provavelmente, foi nesse momento que eu perdi o cargo pretendido. Menti descaradamente.

          Afinal, quem não mente? Todos nós mentimos por uma pequena ou grande causa, mas mentimos. Às vezes, é apenas uma mentirinha inocente pra gente parecer mais bonito na fita, eu sei. Atire a primeira pedra quem nunca...

         Quando digo que estou doente e não vou poder comparecer a algum evento, minto porque não quero magoar quem está organizando o evento. Seja um simples almoço em família em que aquele parente chato vai repetir as mesmas piadas sem graça para as quais estou sem qualquer paciência, ou até mesmo uma importante estreia de uma peça de teatro, que eu conheço o texto e sei que é muito ruim. Nesse caso, se eu for, vou mentir dizendo que a peça é ótima. Melhor ficar em casa e mentir que estou com uma febre horrorosa, mais de 40 graus. No fim, minto de qualquer maneira!

          De vez em quando, a mentira se estende, vira quase uma série de muitos capítulos. Um pior do que o outro. É quando temos de mentir de novo para sustentar a mentira original e de novo para sustentar a segunda mentira e assim por diante. Vira uma cadeia de mentiras. Nessas situações, sempre desconfio que a pessoa sabe que estou mentindo e quer descobrir o quanto eu sou capaz de criar novas mentiras. Ora, eu sou escritora, não me desafie! Minha imaginação é um saco sem fundo.

         É comum alguém ler minhas crônicas e me perguntar se aquela situação realmente aconteceu. Claro que aconteceu! Pode não ter sido exatamente daquele jeito, ou pode mesmo ter sido com outra pessoa, mas o que importa é o fato, não é? Não me lembro de ter feito nenhum juramento de que só falaria a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade.

           Mentira e ficção são quase parentes. De toda forma, fique sabendo que o Deus Chronos até me ligou outro dia, elogiando meu relato do nosso cotidiano. Você não acredita? Pensa que estou mentindo? Por isso a humanidade está perdida. Se ninguém mais tem fé em um Deus todo poderoso, o que dizer de um voto de confiança em uma pobre cronista?

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SP 03/09/2024