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SERÁ??

          Sou feminista de carteirinha, mas se tem um momento em que eu me sinto encabulada frente a um homem, é quando levo meu carro no mecânico. Não entendo nada de carro, e absolutamente nada de mecânica. Quando aquele ser começa a falar coisas estranhas como burrinho de freio ou cachimbo, eu só consigo pensar no cachimbo do Sherlock Holmes. É a literatura que completa minhas lacunas e nunca a mecânica.

          É óbvio que qualquer mulher pode aprender a ser mecânica. Há. inclusive. em São Paulo, cursos para mulheres que desejam ser mecânicas profissionais, mas sou de outra geração. Uma geração em que as únicas mulheres bem-vindas na oficina, eram aquelas em trajes sumários, expostas na folhinha que toda oficina que se prezasse tinha, pregada à parede. Eram pais, irmãos ou maridos que levavam nossos carros para o conserto. Graças a Deus, esse tempo quase acabou(ainda há uns teimosos e alguma acomodadas). Entretanto, minha ignorância no assunto não se alterou.

        Ouço atentamente a longa lista de problemas que o mecânico enumera e faço cara de entendida. Não estou entendendo nadinha, mas jamais vou dar o braço a torcer e faço um esforço sobre-humano para tentar não perder o fio da meada do tal palavrório. Quando ele silencia, entendo que preciso dizer alguma coisa, mas nem sei por onde começar.

          Como Sócrates ensinou, faço inúmeras perguntas. Aprendo alguma coisinha. Mas algumas das minhas perguntas são completamente tolas. Só percebo depois que ele responde. Chegam a ser tão evidentes (até pra mim) que fico com vergonha. Para não aumentar o meu embaraço, peço o valor do orçamento para arrumar todas aquelas coisas tão complicadas. E aí sim, volto ao meu domínio. Posso não entender nada de mecânica, mas entendo muito bem de números e, principalmente, de dinheiro. Sei o quanto custa ganhá-lo e aquele valor dito assim, sem qualquer cerimônia, me deixa literalmente de boca aberta.

          Pergunto quantos dias de conserto e ele diz dois. - O quê? Só dois dias de trabalho e esse valor exorbitante? Não pode ser, digo surpresa. E ainda completo: - Um professor tem de trabalhar quinze dias para ganhar esse valor. Ele sorri e diz sem a menor pena:

          - Nossa! Então é melhor mudar de profissão.

      Depois de gastar muita saliva e conseguir apenas um minguado desconto de 5%, entrego a chave. Vou pra casa pensando no conselho: será que ainda dá tempo de realmente mudar de profissão?

 

SP 21/03/23

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