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SURPRESA NOS OLHOS

 

          Ele a conheceu em uma papelaria. Como? Ela estava lá, parada há vários minutos, na frente da pilha de papeis cartão, mexendo como se estivesse escolhendo qual cor pegar e ele esperando, logo atrás. Precisa voltar logo para o escritório. Tinha de entregar uma maquete e só precisava de uma folha de papel cartão branco. Nada especial. Mas a moça na sua frente parecia que nunca mais iria se resolver.  Sem se dar conta da sua presença, ela passava a mão nos papeis como se eles tivessem gramatura ou textura diferentes, o que não era verdade. Era só papel cartão. Ele não conseguia entender.

          - Quer ajuda? – ele perguntou, mal controlando a ansiedade.

         - Desculpe. Eu não vi que você estava esperando – ela respondeu, se virando para ele.

       Era a moça mais bonita que ele já havia visto na vida. Claro, que sempre há as artistas de cinema e televisão que a gente nunca sabe qual a face verdadeira depois de tirar a maquiagem ou sem o uso de câmeras e programas mágicos de edição. Mas ela era real e se estivesse usando alguma maquiagem, talvez fosse apenas um brilho nos lábios que sorriam enquanto se desculpavam.

         A pressa passou. A tal maquete caiu para um buraco negro do cérebro. E a ansiedade subitamente virou gentileza. Ele perguntou se podia ajudar.

Ela respondeu que queria um papel cartão verde, enquanto apertava os lindos olhos negros como se estivesse com dificuldade em enxergar os papeis. Ele não entendia muito bem. Havia dezenas de verde. Era só pegar um.

          Ela sorriu, adivinhando os pensamentos dele.

          - Sou daltônica. Não consigo distinguir o verde do vermelho.

    Qual a chance de alguém conhecer um daltônico? Quase nula, provavelmente. E qual a chance de alguém conhecer a mulher mais bonita do mundo e ela ser daltônica?

          Deus adora uma piada.

       Não importa. Ainda hoje, ele escolhe as blusas e os vestidos vermelhos ou verdes para ela. Depois de quarenta anos, ela aprendeu a confiar no bom gosto do marido e tem certeza de que não sai à rua como um arco-íris ambulante. Ele, por sua vez, olha pra ela, ainda se surpreende, e pensa consigo próprio: continua linda, em qualquer cor!!

 

           São Paulo, 31 de agosto de 2021.

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